Com os sugestivos títulos "Teoria e prática da indignação", "Juventude e política à flor da pele" e "Geração 2000 prefere políticas alternativas", a edição de domingo da Gazeta do Povo publicou reportagem de capa sobre as reações de adolescentes em face do desencanto e da frustração pela falta de decoro de muitos parlamentares e o seu notório desinteresse pela República. O desfile interminável de fatos chocantes provocou impressões muito negativas. Palavras como "vergonha", "decepção", "raiva" traduziram a condenação. Mas houve, também, sentimentos positivos entre os 32 jovens ouvidos pelo repórter em pistas de skate, academia, shopping center e loja de discos. "Esperança. O jovem é por natureza idealista. Busca soluções, quer algo melhor"; "Decisão. Chegou a hora de tomar atitude. Temos a deixa para abandonar a fala de geração alienada".
A matéria, bem elaborada pelo jornalista José Carlos Fernandes, e com excelente fotografia, se transformou em inquérito social dos moços sobre os desvios da política nacional. Mas, apesar da frustração, eles não desertaram das convicções e nem da responsabilidade em trabalhar pelo aprimoramento da democracia no país e da melhor qualidade de vida para o povo. E um deles, muito apropriadamente, afirma que a "deixa" isto é, a oportunidade para "entrar em cena" na linguagem teatral serve de estímulo para a reação de novas gerações de eleitores.
Em muitas palestras para alunos de cursos jurídicos venho enfatizando: "O Congresso Nacional somos nós". Com a frase eu procuro explicar que os ocupantes de cargos públicos eletivos nos poderes Executivo e Legislativo são os nossos representantes diretos. E que os problemas vividos pelo estado, pela nação e pelo povo em face do mau desempenho de políticos são, também, nossos problemas. E tenho contado a fábula do ratinho, que a jornalista Ruth Bolognese reproduziu em sua coluna de domingo, na Folha de Londrina, com detalhes muito saborosos.
Um pequeno roedor ficou desesperado quando soube que o dono da casa instalou uma ratoeira na sala. Pediu à galinha que cacarejasse em protesto ouvindo a resposta de que ela nada tinha a ver com aquilo. O porco foi procurado em seguida e argumentou que vivia no chiqueiro e que o problema não era seu. A mesma negativa, com outra explicação, veio da vaca que se negou a secar o leite como reação.
Naquela noite, porém, uma cobra venenosa, "distraída e faminta caiu na ratoeira e, antes de morrer, mordeu a dona da casa". Chamado às pressas o médico receitou, além do soro antiofídico, descanso e caldo de galinha. A penosa foi a primeira vítima. A doente piorou e para dar de comer aos parentes que estavam chegando, a carne de porco foi o prato escolhido. Mas aconteceu o pior: a dona da casa faleceu. E a vaca foi sacrificada para atender o apetite da vizinhança e dos amigos que chegaram para o velório e o enterro.
A reação dos estudantes é muito positiva e a fábula é interpretada como alerta de solidariedade e um pacto de comunhão para reverter a anomia e a desesperança. Também lembro a frase antológica do presidente John F. Kennedy (19171963), pronunciada no discurso de posse (1961). Ela é paradigmática nas relações entre o cidadão e o poder público: "Não pergunte o que o seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer pelo seu país".
Na reportagem, uma das entrevistadas lembrou que as ONGs e outras formas alternativas de manifestação ganharam fôlego ao longo dos anos 90, criando uma nova face política da juventude. Outra característica é a capacidade de mobilização para grandes causas de relevo público. Os cara-pintadas são um bom exemplo.
E foi de uma dessas jovens e corajosas cidadãs que vieram algumas palavras simples e esperançosas. No frescor de seus 16 anos e não sendo obrigada a votar irá, no entanto, fazê-lo no próximo ano. Dias antes ela dissera que, em sinal de protesto, não chegaria perto da urna. E justifica a nova decisão:
"Mudei de idéia por causa da crise".