A observação da evolução da produção industrial brasileira, ao longo do primeiro semestre de 2005, revela que, a partir do mês de abril, o setor manufatureiro passou a emitir sinais bastante nítidos de vontade de superação da fase de estagnação, verificada desde setembro de 2004, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) retomou a estratégia de elevação dos juros primários da economia.

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Tanto é assim que o volume produzido pelo setor registrou incremento de 5,0% nos primeiros seis meses do ano, frente igual período de 2004, não incorporando ainda a influência dos eventos políticos deflagrados pelas denúncias de corrupção feitas pelo deputado federal Roberto Jefferson e pela subseqüente implantação e operação das CPIs no Congresso Nacional.

Antes de tudo, parece prudente interpretar tratar-se de um desempenho automático e heterogêneo, sustentando em pilares extremamente frágeis da demanda interna e externa, e demonstrando uma absoluta ausência de sincronia de crescimento entre as diferentes categorias de indústria. Enquanto a ponta, constituída pelas plantas de fabricação de bens de consumo, cresceu 8,8%, sendo que a fabricação de duráveis aumentou 16,7%, os segmentos da base, representados por bens intermediários e de capital, cresceram 2,4% e 3,8%, respectivamente.

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As atividades líderes em variação positiva foram fabricação de álcool (42,0%), material eletrônico e de comunicações (21,4%), caminhões e ônibus (20,3%), automóveis, caminhonetas e utilitários (17,1%), extração de petróleo e gás (10,4%) e cimento e clinquer (10,3%). As performances negativas mais expressivas ficaram a cargo de adubos e fertilizantes (-14,3%), laminados de aço (-6,3%) e refino de petróleo (-1,7%)

Na realidade, desempenhos tão díspares encontram explicação direta na reduzida consistência da lógica de funcionamento do sistema econômico brasileiro, ligada à gestão macroeconômica. De um lado, a prática dos maiores juros reais do planeta e da enorme carga tributária, em circunstâncias de impulsão da dívida líquida do setor público e de valorização da taxa de câmbio, vem minguando os projetos do Estado e abalando a disposição privada em favor de investimentos em ampliação da capacidade produtiva, afetando os ramos de bens intermediários e de capital.

Na mesma linha, o comportamento das áreas voltadas às exportações ainda não foi fortemente afetado pela apreciação do real, em virtude do efeito preço vir compensando as perdas derivadas da taxa de câmbio. A ascensão dos preços está atrelada à expansão da liquidez mundial e à profunda alteração do padrão de internacional, ancorados na subida da demanda chinesa e norte-americana.

De outro lado, a ampliação da oferta de crédito, motivada pela disseminação das linhas mais baratas, com desconto consignado em folha e direcionadas prioritariamente a aposentados e pensionistas, e pelas facilidades concedidas por grandes redes varejistas, especialmente quanto ao prolongamento dos prazos de pagamentos, diminuindo o valor das prestações, vem estimulando as atividades vinculadas ao consumo interno.

Daí que a dinâmica recente da indústria brasileira reproduz um paradoxo macroeconômico, configurado na perversa inter-relação entre a disponibilidade de elementos estruturais confortáveis, como os superávits nas contas externas e públicas e o controle da inflação, e a presença de componentes conjunturais adversos, retratados nos juros altos e no câmbio baixo.

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Conforme cálculos da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), o real estaria mais valorizado do que no momento de pico constatado em 1995 e, mantidas as tendências econômicas atuais, só ingressaria numa rota de desvalorização em caso de acionamento de instrumentos intervencionistas por parte do BC – incluindo compra de reservas, taxação das exportações, redução dos juros e controle dos fluxos de capitais – o que se afigura pouco provável.

Em outras palavras, considerando que uma das condições para o equilíbrio instável do organismo econômico seria a busca do alinhamento da estrutura de preços relativos, ou dos macropreços (salários, juros, lucros, aluguéis, tarifas, câmbio e impostos), é razoável supor que o posicionamento "fora de esquadro" de algumas variáveis, como juros, câmbio e tributos, vêm proporcionando folgas transitórias nos campos fiscal, comercial e inflacionário, ao preço da dilação do tempo da estagnação e/ou da interrupção da edificação das bases de um novo ciclo de investimentos e de crescimento.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da FAE Business School – Centro Universitário.