Os cidadãos brasileiros serão chamados às urnas, amanhã, para votarem no referendo que endossará ou anulará artigo do Estatuto do Desarmamento proibindo o comércio de armas de fogo e munições. Embora elemento da democracia direta, onde o povo se manifesta diretamente sobre questões relevantes, sua convocação despertou controvérsias quanto à oportunidade e gastos envolvidos. De toda forma, uma vez cumprido o ritual da realização da consulta popular, esperamos que ela contribua para o exercício do pluralismo ao afeiçoar os eleitores com o manejo de um instrumento democrático usual em outras nações.

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De fato, em nosso tempo houve outras decisões diretas do eleitorado, como o plebiscito que revogou o experimento parlamentarista em 1963 e, depois, a confirmação do regime republicano com opção pelo sistema presidencialista, após a Constituição em 1993. No futuro, dada a facilidade de operar uma chamada nacional dos eleitores com aplicação das tecnologias da informática, talvez o processo de consulta direta se tornem comum, reforçando a gestão política da sociedade em face das crises da democracia representativa.

Quanto à essência do referendo de amanhã, a opinião pública se apresenta praticamente dividida entre os defensores de uma proibição rigorosa do comércio de armas e munição e os partidários da sua manutenção como ficou configurado após a vigência da lei do desarmamento civil de 2003. Nos termos do processo eleitoral comum se formaram duas frentes parlamentares em torno do tema: os defensores do "sim" à vedação da comercialização varejista de armas e munições sustentam que a nova legislação trouxe redução na taxa de assassinatos e acidentes, equivalendo a proibição do comércio a um verdadeiro voto pela vida. Já os opositores proclamam o direito das pessoas à legitima defesa, que restaria obstada se concedido ao Estado o poder de tutelar a conduta dos indivíduos quanto à opção de adquirir uma arma de calibre permitido.

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Ambos os argumentos se justificam e os segmentos e grupos sociais se alinham pró ou contra a proibição: entre os defensores da corrente do "sim" estão as principais igrejas, a intelectualidade e grupos pertencentes à base da pirâmide socioeconômica. Na frente contra a proibição, defendendo o voto "não", se encontram estamentos das classes superior e média e proprietários rurais e urbanos. Enquanto os primeiros apelam para a emoção com depoimentos de perdas familiares decorrentes de crimes ou acidentes com armas de fogo, os segundos protestam contra o que consideram interferência indevida do Estado sobre direitos de cidadania.

É possível que o processo decisório de amanhã possa ser em parte afetado por rejeição ao governo no poder, como aconteceu na recente reprovação dos franceses ao projeto de Constituição européia. De toda forma, ficam em aberto situações como as de habitantes da zona rural, que precisam providenciar a própria defesa ante a impossibilidade de presença eficaz das autoridades.