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Chega hoje ao Brasil o corpo de Jean Charles de Menezes, o infeliz eletricista de Minas Gerais que, ao tentar a sorte no Reino Unido, acabou morto pela polícia de Londres, ao ser tomado como suspeito de terrorismo. A ação desastrada da patrulha, atingindo com oito tiros um suspeito já contido, mereceu repulsa e deverá ser objeto de indenização, mas seus reflexos são mais profundos: ela sinaliza a dificuldade dos governos para lidar com a ameaça desse inimigo sem rosto, que se move nas sombras e coloca em risco a estabilidade das nações democráticas.

Ao optar por uma ação dura – reiterando que a polícia continuará com sua nova diretriz de atirar para matar em suspeitos, sem antes submetê-los a interrogatório ou contenção possível –, o governo trabalhista de Londres cava um fosso entre a realidade atual e as eras de grandeza do Império Britânico sob a Rainha Vitória, Disraeli, Gladstone ou, mais recentemente, Winston Churchill. Pior, compromete as tradições de liberdade de um país que deu ao mundo a Magna Carta, estatuto pioneiro de limitação dos governantes; a Declaração de Direitos, que consolidou o sistema parlamentar; o voto popular direto e outras conquistas.

No cerne da questão a estratégia do primeiro-ministro Blair reforça o objetivo dos terroristas, de semear insegurança entre a população. A cada comoção como a que se seguiu à morte do jovem emigrado brasileiro se amplia a sensação de incapacidade dos governos ocidentais de lidar com essa incerteza de nosso tempo. Esse quadro é potencializado pela ocorrência, no teatro europeu, de minorias significativas provenientes das ex-colônias, do Oriente Médio e de outras regiões. Para o italiano Gabriele Marranci, professor de Antropologia das Religiões numa universidade britânica, se os governos europeus não prestarem atenção às necessidades de suas minorias "o terrorismo não será derrotado".

O pensador europeu alerta que "para isso não bastam ações da polícia ou revistas de bagagens", como aconteceu no trato com os separatistas irlandeses do IRA. Só depois que as autoridades de Londres abriram diálogo com as lideranças moderadas dos republicanos irlandeses é que cessou o recrutamento de insurgentes para o "exército" rebelde; lição aproveitada pelo novo governo espanhol do primeiro-ministro José Luiz Zapatero, ao estabelecer contato com os rebeldes bascos do ETA. Na mesma linha a imprensa britânica e a organização de defesa de direitos humanos, Anistia Internacional, protestam contra esse "erro trágico", exigindo uma investigação exaustiva e imparcial.

Isso porque, apesar do comportamento diferente de Jean Charles (talvez por ser estrangeiro), testemunhas da ação policial ficaram chocadas com sua morte por tiros à queima roupa. Segundo depoimento de um circunstante, os policiais o "empurraram para o chão, o imobilizaram e dispararam os tiros contra ele, que estava petrificado, parecendo uma raposa assustada".

A morte do jovem brasileiro – sobre refletir a diáspora de muitos jovens em busca de oportunidades que imaginam melhores lá fora ou não existem aqui – traz para o primeiro plano a evidência de que o governo Blair seguiu uma estratégia equivocada, ao se associar à invasão do Iraque. Vai ficando claro que – após a derrubada do regime fundamentalista dos talibãs no Afeganistão, bem sucedida resposta aos ataques terroristas de setembro de 2001 – o ato em Bagdá se revelou um erro de política internacional.

É que essa diretriz agravou, em vez de amenizar, as linhas de tensão que reforçam o terrorismo, conforme assinalou Samuel P. Huntington, no seu ensaio sobre o "Choque das Civilizações". O professor norte-americano escreveu que atualmente "as linhas divisórias entre civilizações estão substituindo as fronteiras políticas e ideológicas da guerra fria, como pontos quentes para crises e para o derramamento de sangue"; situando essa fronteira, entre outras, na linha divisória das civilizações ocidental e muçulmana. O reconhecimento dessa situação levou o Ocidente a pressionar o governo de Israel pela normalização das relações com a Autoridade Palestina.

O ideal de entendimento entre os grupos civilizacionais, sobre uma base mútua como a Carta das Nações Unidas, evitaria o sacrifício de outras vítimas inocentes, mas infelizmente a paz universal sonhada por pensadores como Emanuel Kant ainda se mostra distante no horizonte.

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