Exauridas as vãs esperanças de que poderia haver algum avanço na tão colimada reforma da ONU, a Cúpula dos chefes de Estado de 2005 terminou melancolicamente, como previam os mais realistas: decidiu-se que é preciso fazer reformas, sem nada se reformar.

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Sem tom pessimista, no entanto, a sucessão de crises tem demonstrado, ao contrário do senso comum, que a ONU se fortalece após rupturas e conflitos de grande impacto. Fórum mundial, por excelência, seus críticos parecem ter excessiva expectativa em relação ao que é e ao que possa ser a sociedade internacional, com seus limites e circunstâncias. Não há a ONU, há Estados e suas vontades.

Concebida não para nos conduzir ao paraíso, mas para nos salvar do inferno, ao comemorar seus sessenta anos de existência, a ONU se vê na contingência de reconhecer um dos maiores fracassos de sua história: o que deveria ter sido a reunião de grandes mudanças, acabou sendo a reunião de frustrações generalizadas.

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De fato, a ONU é instituição imperfeita e sua estrutura insiste em refletir as relações de poder do segundo pós-guerra, conflito que acabou sessenta anos atrás. Vastas e importantes regiões do mundo estão excluídas de seu efetivo aparato decisório. Embora tantos fossem os clamores, o projeto reformista para neutralizar desigualdades de fato ou de natureza entre Estados, a serem compensadas por igualdade jurídica ideal, acabou não se concretizando.

O nó górdio de todo sistema notoriamente exaurido parece residir no Conselho de Segurança. Não, especificamente, pela sua natureza, mas pela sua composição. Devemos reconhecer que, utilizado como válvula de segurança sobre as decisões da Assembléia Geral, o poder de veto, exclusivo dos cinco grandes (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França), conforma instrumento sine qua non ao multilateralismo de resultados tanto em voga, onde o poder real é utilizado às escâncaras. Ademais, não fora o poder de veto, muitas das tantas crises da guerra fria poderiam ter culminado de forma catastrófica.

Desde sua origem, os cinco membros efetivos, os primeiros detentores de bomba atômica, únicos que votam e vetam, não sofrem alteração, apesar das tantas mudanças do cenário internacional. Quanto à obviedade de ser necessário recompor tal quadro, os fatos recentes, verificados no ilustre cenário da velha Mesopotâmia, parecem eloqüentes em si.

Ainda que os limites do possível, pelo que se viu em Nova Iorque, não permitam a necessária quebra da velha ordem do "clube atômico", é improvável poder-se fazer evoluir as Nações Unidas sem alteração substancial da ordem ditada pelos supermembros.

Para o Brasil, o fracasso da reforma é particularmente desalentador. A busca de acesso ao Conselho de Segurança, com voto e voz, no bojo da mudança que acabou não ocorrendo, tem galvanizado a recente política externa brasileira. Para tal postulação, argumentos de peso foram utilizados, como o do montante das contribuições a nós atribuídas, maiores que aquelas cobradas da China e da Rússia. Invocamos ainda nossas tradições e nossas participações em importantes missões de paz sob os "blue berets", bem como termos sido, desde a quarta sessão ordinária da Assembléia Geral, o primeiro país a ocupar a tribuna de debate. Da mesma forma, afirmando nossa tradição, em 1947, o chanceler Oswaldo Aranha presidia a histórica sessão inaugural da Assembléia Geral.

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Hoje, em mundo totalmente distinto daquele que viu nascer a ONU, no qual grandes decisões não deveriam ser tomadas à revelia de Tóquio e de Berlim, ou de países particularmente emergentes, como o Brasil e a Índia, a reformulação engavetada pelo voluntarismo exacerbado do governo norte-americano não elimina, senão agrava, o manifesto desacerto em que se constitui a macropolítica das Nações Unidas.

Os próximos anos dirão se o projeto brasileiro de integrar o Conselho de Segurança foi exercido com o devido timming, utilizando ímpeto proporcional à delicadeza do pleito, mormente em relação a vizinhos e parceiros regionais. Houve, indubitavelmente, conveniência na proposta que galvanizou a política externa do Brasil nos últimos anos. Resta, no entanto, em aberto, a conseqüente questão da oportunidade.

Já na Conferência de São Francisco, quando da fundação da ONU, conforme relatório do chefe da Delegação Brasileira, ministro Pedro Leitão Velloso, o Brasil pleiteava o mesmo tratamento que se estava concedendo à França, assinalando "a decepção que a exclusão brasileira do Conselho de Segurança poderia significar junto à opinião pública". Sem mudanças, continuamos decepcionados.

Jorge Fontoura é doutor em direito internacional e vice-presidente do Centro de Estudos de Direito Internacional – Cedi/DF.