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Que o futuro das cidades tende a manter o atual processo de concentração de pessoas, serviços e consumo, ninguém duvida. Que a qualidade de vida dessas pessoas tende a melhorar sob alguns aspectos e piorar sobre outros, também. Para refletir sobre isso, pode-se prospectar três cenários da cidade do futuro. A cidade que tememos, a cidade que gostaríamos e a cidade que de fato vai acontecer.

A primeira é a decorrente de tendências atuais, tendo um trânsito ainda mais comprometido, poluição aérea causando problemas respiratórios ainda mais graves, espaços urbanos – como ruas e praças – impossíveis de serem utilizados pela comunidade, serviços públicos de saúde, educação, segurança e saneamento ainda mais precários, um contingente enorme de famintos e desassistidos e todos, cada vez mais, entrincheirados em suas casas.

A cidade de que gostaríamos faz parte do so­nho de cada um. Seria formada por um espaço muito prazeroso de se viver, que é o ambiente pelo qual muitos de nós trabalhamos. O cenário poderia ser composto por ruas dominadas pelos cidadãos, sem vestígio de veículos motorizados, sejam eles individuais ou coletivos. Com uma grande concentração de pessoas, as ruas e praças seriam utilizadas por todos nas 24 horas do dia, em completa harmonia. Ao chegar em casa, o cidadão teria à sua disposição todas as comodidades da infraestrutura. A saúde estaria sendo monitorada individualmente; as crianças acordariam pela manhã, implorando aos pais para irem logo às escolas; os jovens adultos, sem dúvidas sobre qual carreira trilhar, teriam à sua disposição cursos de excelência, com garantias de trabalho ao final. Não haveria mais necessidade de aparatos de segurança, pois a educação e a forma­ção cidadã seriam integrais e atingiriam a todos.

Porém, a verdadeira cidade do futuro não deverá ser configurada nem com a visão catastrófica dos pessimistas e nem com a utopia dos sonhadores. Ela será aquela que nós conseguiremos construir com os recursos e com a competência que nos é oferecida. A gestão da cidade atual é o embrião da cidade do futuro. As ruas serão utilizadas pela população de acordo com as políticas de mobilidade dos atuais gestores urbanos. Se continuarmos a detonar as cidades por causa de incentivos de venda indiscriminada de carros, cujos subsídios sejam muito superiores ao investimento em transporte coletivo ou não motorizado, e as intervenções dos municípios não privilegiarem o pedestre, nossas ruas, praças e parques serão cada vez mais destinados às máquinas. Se continuarmos a fazer de conta que educamos nossas crianças e formamos nossos jovens, mas de fato fracassamos no seu resultado, teremos de ampliar enormemente o aparato de segurança.

Porém, mesmo com muitas razões para ser pessimista, considero que ainda é tempo de alcançar a inflexão desse processo. Particularmente nossa cidade de Curitiba tem todas as condições para voltar a trilhar uma rota ascendente. Mas, para que isso ocorra, deve haver muita responsabilidade na escolha de dirigentes efetivamente estadistas, que não tenham a função como mero objetivo pessoal, baseado em apoios unicamente calcados na capacidade financeira de seus apoiadores. Poucos anos de boa gestão podem fazer a diferença para que a cidade que almejamos para o futuro de nossos filhos e netos seja mais parecida com a que sonhamos que com a que tememos.

Carlos Hardt, arquiteto, é diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo e pesquisador do programa de pós-graduação em Gestão Urbana da PUCPR.

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Este texto faz parte de rodadas quinzenais em conjunto com os arquitetos Clovis Ultramari, Fabio Duarte e Salvador Gnoato. Tema desta rodada: o futuro das cidades

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