Uma das grandes dificuldades para dar combate à criminalidade é o fato de os criminosos estarem sempre um passo à frente da polícia. Isto é quase um jargão. Fecha-se uma janela por onde passavam os delinquentes, e eles logo abrem uma porteira. Assim, quando o país pensava ter vencido a prática do mensalão, a corrupção correu na direção da Petrobras, de onde tirou fortuna 20 vezes maior do que o "ensaio" do bloco mensaleiro. Se o montante surrupiado pelos políticos que na década passada vendiam seus votos ao governo foi calculado em R$ 101 milhões, o butim de petropropinas lhes rendeu até agora, segundo estimativas conservadoras, pelo menos R$ 20 bilhões, conforme mostra reportagem da Gazeta do Povo publicada na última quarta-feira, com base em dados do próprio Ministério Público Federal.
O DNA dos dois processos é o mesmo: tira-se do público para dar ao privado. Evidentemente, o mensalão e o petrolão não inauguraram a corrupção no país. O fenômeno vem de muito longe, desde os tempos coloniais, e se tornou uma endemia que contaminou o Império e a República. Desvios deram-se sempre em todas as esferas do poder, não importando partidos, grupos, políticos ou agentes públicos que se sucederam ao longo de séculos. Entretanto, diminuir a própria culpa usando outros malfeitos não reduz a responsabilidade dos delinquentes atuais. Pelo contrário: o passado lhes deveria servir de lição a não ser repetida, mas corrigida aliás, como prometia antes o grupo que se dizia arauto da ética na política, mas que, depois de assumir o poder, cometeu o mensalão e o petrolão.
Há de se atentar, porém, para algumas diferenças importantes entre a corrupção "antiga" e a atual. Enquanto em passados mais remotos emergiam escândalos pontuais, envolvendo estes ou aqueles políticos em conluio com tais ou quais empresas, o que se vê hoje é que a corrupção assim como o crime organizado se tornou sistêmica. Os métodos se aperfeiçoaram, objetivos claros foram definidos e tudo se faz em nome da perpetuação no poder. Desvia-se dinheiro público não apenas para dar proveito pessoal aos participantes de quadrilhas, mas sobretudo para financiar projetos políticos de longo alcance. Não é à toa que políticos ouvidos pela Gazeta tenham estabelecido um elo direto entre o mensalão e o petrolão: fechada a torneira criada no primeiro governo Lula, buscou-se outra maneira de bancar ilegalmente partidos políticos, e os olhos gananciosos caíram sobre a Petrobras.
Doleiros, tesoureiros de partidos, emissários ou o nome que se dê aos que carregam mochilas e lavam dinheiro são as menores peças da fabulosa engrenagem que faz girar a máquina da ladroagem atual. Com isso, a representação política que ocupa nossas principais instituições republicanas, escolhida nas urnas, fica contaminada pela manipulação dos financiamentos espúrios contraídos por meio de licitações dirigidas, sobrepreços enormes, aditivos ilegais e toda sorte de artifícios para que cheguem aos beneficiários, ativos e passivos. Pior ainda é pensar que várias campanhas eleitorais possam ter sido irrigadas com recursos desviados do patrimônio de todos os brasileiros.
A denúncia ainda não foi formalizada, mas estima-se na casa das dezenas o número de políticos e servidores de alto escalão com nomes inscritos nos inquéritos do petrolão, assim como também são centenas as empresas e empresários investigados no assalto à Petrobras números condizentes com uma estatal na qual tudo é gigante e várias vezes maiores que os do mensalão. Naquela ocasião, do STF saíram condenados 25 dos 40 denunciados. É possível que do petrolão saia um pelotão em proporção direta muito maior.
Como consolo, o país assiste à ação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, que, por meio da Operação Lava Jato, conduzem as investigações, coletam provas e compõem os processos de denúncia para que, enfim, sejam os culpados devidamente julgados e condenados. A sociedade pode se sentir saciada e bem vingada pelo êxito desta batalha contra a corrupção que, infelizmente, já deve estar procurando outras portas por onde passar.
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