A classe política padece atualmente de merecido desprestígio perante o povo que a elegeu. A insatisfação é geral. A desenvoltura e agilidade com que tratam o patrimônio público é revoltante. Não há uma mínima noção de limite. Parece que tudo é permitido fazer, sem nenhuma preocupação com os fundamentos da República. Não se dá bola para os princípios republicanos, principalmente para a prestação de contas perante o povo. Os titulares do poder não são donos da República, não têm relação jurídica de proprietários da coisa pública. São mandatários, representantes do povo, e como tal têm o dever de ser responsáveis e de prestar contas das suas ações.
Em Brasília, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa baixou o Ato n.° 31, pelo qual considerou que o recebimento de ajudas de custo e remuneração por convocações extraordinárias do legislativo distrital não estão sujeitas à incidência do imposto de renda na fonte, devendo, portanto, ser restituído com efeitos retroativos. O valor chega perto do milhão.
A Constituição Federal, para fortalecer as finanças de Federação, vale dizer, dos entes descentralizados do Estado Nacional determina que o imposto de renda da competência da União, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, pelos estados, Distrito Federal e municípios, suas autarquias e fundações, pertence a estes entes federados. Constitui uma modalidade de receita própria dessas pessoas de direito público, em imposto de competência da União.
O fato de essa receita referente ao imposto de renda aplicável na fonte ser do Distrito Federal não autoriza ou possibilita essa restituição, a ser realizada pelo Distrito Federal, como se a matéria fosse da sua competência. A legislação a ser aplicável à questão é a que rege o imposto de renda, editada pela União. É esta que decide, pelos seus órgãos competentes, a matéria, com base na legislação específica deste imposto.
O art. 150, II, da Constituição, versa sobre a isonomia ao estabelecer que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, portanto, afirmando o princípio da generalidade da tributação. E prevê por conseqüência a proibição de privilégios, vale dizer, exceções odiosas e discriminatórias, ao determinar no fim deste dispositivo que fica "proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independetemente da denominação jurídica dos rendimentos, titular ou direitos". Como se vê, determina expressamente a proibição do que o legislativo distrital decidiu em favor dos seus componentes.
Natal é época de congraçamento e elevação de sentimentos. Não deve propiciar que os deputados distritais se presenteiem com recursos do tesouro público. Este presente do Papai Noel é fajuto, imoral e inconstitucional. Afinal, Brasília é capital da República, e não grotão perdido no espaço nacional. É demais a generosidade dos deputados distritais, em causa própria.
Osiris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília UnB e ex-secretário da Receita Federal.