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editorial

Para não ser tomado de assalto

As UPSs marcam em definitivo o setor de segurança pública do estado. Mas é desejável que também gere ciência sobre a violência e leve a sociedade organizada aos bairros em que o programa se instalou

A contar pelo número de Unidades Paraná Seguro, as UPSs, não se está diante de uma nuvem passageira. Serão dez unidades até o fim do ano e sete já estão instaladas, a todo vapor, modificando, e muito, o mapa da segurança pública do estado. Mesmo que no médio prazo haja algum recuo no projeto, será difícil olhar para o setor – e para a Polícia Militar – sem lembrar dos "congelamentos" de vilas inteiras e na instalação do contingente de meia centena de fardados em áreas violentas, por tempo indeterminado. Foi um espetáculo, e desses que não se esquece.

Aplausos, sim, mas com poréns. Há críticas, necessárias para que o momento não se resuma a show. A UPS deve pôr no freezer zonas violentas das cidades paranaenses, ninguém discorda, mas sem incorrer no risco de fazer o mesmo com o interesse da população nos problemas de segurança, que já não é muito. Há uma tendência histórica no Brasil em delegar para o Estado a criminalidade, liberando a sociedade civil de fazer a sua parte. Se as unidades agirem de forma autoritária – portando-se como donatárias da capitania –, estarão fomentando o veneno do comodismo, o tal do "não é comigo..."

Enquanto o assunto "é de polícia", como se diz, é razoável que a conversa se dê pelos labirintos dos investigadores. Mas vai longe o tempo em que segurança pública se resume a uma lista de homicídios por investigar. Ou ao tráfico. A violência, como diz Zygmunt Bauman, tocou a rua, as relações de vizinhança, modificou a mobilidade no bairro e a geografia das cidades. Somos outros depois que os ladrões de galinhas e de bicicletas se revelaram personagens de um conto de fadas. Somos vítimas. E também os algozes.

A esse respeito, chama atenção a timidez com que as UPSs – já quase sete meses depois de seu advento – lidam com o cidadão comum, ignorando-o no processo. É surpresa dupla. O projeto instalado no Paraná, alternativo ao modelo carioca da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP, nasceu de boa cepa: os programas de polícia comunitária.

Afinado com a ordem mundial – que entendeu a participação social como caminho mais demorado, porém mais curto, para instaurar a cultura da paz –, o modelo paranaense de pacificação tinha ambições de realeza: desenvolver inteligência e pesquisa para diluir a obscuridade da violência; e fortalecer nos bairros as relações que servem como escudo contra a criminalidade. Não se teve ainda nenhum indício de como as ocupações podem dar conta desse ideário. Se o abandonou. Ou se entende que virá naturalmente, depois da tempestade.

De qualquer modo, resta uma lacuna. Não dá mais para achar que segurança pública é problema de outrem. Junto com o meio ambiente, tornou-se assunto do século, sobre o qual se deve dizer na escola e nas missas, nas famílias e nas faculdades. Não de forma a apavorar, mas para entender. É ciência, que diz sobre a lâmpada da rua, mas também sobre as relações destrutivas que fizeram da sociedade um lugar perigoso para viver.

É justo esse entendimento que mostra o quão complexa é a cadeia e o ciclo da violência. E causa mesmo estranheza que até o momento as Unidades Paraná Seguro pareçam o mesmo remédio receitado a doenças tão diferentes. Não são iguais re­giões como o jovem bolsão Audi-União – formado na esteira do movimento sem-teto – e a já madura Vila Nossa Senhora da Luz, nascida em meio às desastradas tentativas de desfavelização desenvolvidas na rabeira do regime militar. O mesmo se pode dizer do Caiuá, a mais bem-sucedida Cohab do Paraná, que é como a água e o vinho se comparada ao Parolin, a vila sem oxigênio.

É conhecida a crítica que o geógrafo Jaílson de Souza e Silva, do Observatório das Favelas, faz à maneira como a sociedade vê as comunidades pobres: julga-as todas iguais, ignorando que se formaram à sua maneira, em territórios híbridos. Só se pode vê-las se for bem de perto, roçando a barra da calça no chão. E mesmo assim, em companhia de outros. É desejável que universidades, igrejas, ONGs sejam chamadas às unidades e tenham sua parte nesse serviço. Só assim a violência não será, por ingenuidade, um problema a esquecer, mas uma realidade a decifrar, de modo a que não nos tome de assalto outra vez.

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