Há prenúncios cada vez mais evidentes de que a Rodada de Doha, que se realiza nesta semana em Hong Kong, transforme-se num novo ato solene de frustração para os países que lutam para tornar mais justo o processo de globalização da economia. Nela terá prosseguimento a discussão promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a liberalização dos mercados mundiais. Ou, em outras palavras, reproduzir-se-á o velho embate entre nações ricas e pobres, tantas vezes tentado e sempre fracassado. A questão principal será a de sempre: como revolver o protecionismo excessivo dos países desenvolvidos e que mantém os emergentes alijados de suas relações de troca e os condena à pobreza.

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De fato, chegar a um acordo não será tarefa fácil. Ciosos da integridade do próprio umbigo, Estados Unidos e União Européia gastam bilhões de dólares para subsidiar seus agricultores, ao mesmo tempo em que impõem pesadas barreiras tarifárias à entrada de produtos agropecuários dos países emergentes – dentre os quais, com destaque, o Brasil. Aceitam, até, promover algumas facilidades, desde que, em contrapartida, abramos os nossos portos para o ingresso mais amplo dos produtos industriais deles.

Para os ricos, renunciar ao protecionismo pode representar a falência de seus agricultores, incapazes de competir, por exemplo, com a produtiva lavoura brasileira e exemplar parque industrial de derivados agropecuários. E pode significar também o que lhes é ainda mais grave, a expansão dos já elevados índices de desemprego com que se defrontam. Daí a sua resistência. Por outro lado, porém, para os países emergentes, os entraves ao acesso aos mercados norte-americano e europeu traduzem-se num pesado estorvo ao crescimento econômico e, conseqüentemente, aos esforços para a redução da pobreza.

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Discursando na última sexta-feira em Montevidéu, onde participou de reunião do Mercosul, o presidente Lula foi enfático na exposição desta idéia. Ele concitou os demais presidentes presentes a pressionar os líderes dos países desenvolvidos e advertiu para o perigo iminente de um novo fracasso em Doha: se não forem adotadas medidas agora para diminuir o protecionismo, haverá a continuação da desigualdade por mais 30 anos e a exacerbação do terrorismo no mundo.

A globalização e o neoliberalismo mostram-se inexoráveis. Não há, hoje, apesar da turbulência dos grupos que os combatem, possibilidade de uma inflexão para o passado. Entretanto, há distorções e elas devem ser combatidas. A primeira dessas distorções é, justamente, o protecionismo imposto pelos países ricos, contra o qual os pobres têm direito de lutar.

Desde que começou a onda da globalização, os emergentes procuraram fazer a lição de casa, abrindo suas economias – mas não obtiveram contrapartida na mesma proporção. O resultado está sendo injusto: desde então, salvo casos como os da China, Índia e Chile, os índices de crescimento das nações mais pobres têm sido muito menores do que aqueles experimentados pelas nações ricas. É contra esta distorção que se deve apoiar os esforços que o Brasil vem fazendo em todos os fóruns mundiais, torcendo para que a Rodada de Doha desminta os prenúncios negativos que a cercam.