• Carregando...

O "efeito Hibribus" é inegável: além do conforto, novos ônibus em circulação provocaram um surto momentâneo de bons tratos à clientela do transporte público. Mas, como atender melhor não é uma política das empresas, a tendência é de que o usuário volte a ser um mero detalhe do sistema

Curitiba está em lua de mel com os Hibribus. São 30 ônibus, tinindo de novos, mexendo com a paisagem urbana e com a qualidade do transporte coletivo na capital. A primeira impressão pode não ser a que fica, mas bem poderia. Os novos veículos circulam com velocidade controlada, garantindo a estabilidade dos passageiros, no melhor do estilo tapete mágico. A "tripulação" tem demonstrado uma educação anteriormente verificada apenas de forma isolada, aqui e ali. Daí a surpresa de entrar num Hibribus e escutar um sonoro "bom dia", coroando de civilidade um setor carente das benesses da delicadeza. Fica a desejar apenas a pontualidade, ainda em fase de calibragem.

Contrariando as expectativas, contudo, os Hibribus não estão dando início a uma "nova era" do transporte coletivo na capital. Os surtos de hospitalidade verificados nas últimas semanas não passariam de um efeito astral. Os motoristas dos novos veículos teriam sido recrutados entre os melhores, daí a segurança que passam a quem está a bordo, privando os passageiros dos indigestos "soquinhos" e "sacolejos". A escolha para dirigirem os novos ônibus foi recebida como uma promoção. Os bons modos expressam um momento na vida profissional, o que pode passar assim que a rotina se imponha.

A velocidade controlada e o cuidado redobrado, do mesmo modo, têm a ver com as particularidades mecânicas dos Hibribus – mais pesados e mais sofisticados, pedem destreza, perícia e responsabilidade de anestesista. Em caso de falha no motor, o problema é tratado diretamente com os técnicos da Volvo e não com os colegas das oficinas das empresas de transporte. Esse expediente sem graxa coloca o motorista frente a frente com outras escalas de trabalho que não aquelas a que estava habituado.

Não é demais dizer que a população desejaria que os ônibus tivessem velocidade constante mesmo quando a rua está vazia ou o motorista atrasado. Que fôssemos apanhados no ponto, sem sermos expostos à fissura do condutor que quer aproveitar o sinal aberto (e trata aquele que acena como um estorvo). Sem falar no conforto, no silêncio e no ganho irretocável de andar em veículos ecologicamente sustentáveis, como se diz, sugerindo que a ética e a estética do homem da rua foram reabilitadas.

Mal não faria se a prefeitura e as empresas de ônibus aproveitassem a deixa para inaugurar um novo padrão de atendimento aos passageiros, considerando-os não apenas usuários "que não têm carro", mas clientes, que escolheram o transporte coletivo e investem dinheiro no sistema. Infelizmente, até o momento, o saldo é de descasos. O curitibano e os moradores da região metropolitana sentem saudades do passado, indício de descrença no modelo de transporte atual. Para uma boa parcela da população o único motivo para se utilizar dos ônibus é ideológico, posto que são poucos os ganhos financeiros.

Vale invocar as lições de Henri Lefebvre, autor de O direito à cidade, ao dizer que as áreas urbanas têm de ser mais espaços de troca que espaços de uso. O transporte coletivo é o principal microcosmo desses câmbios. Ali convivem os diferentes, ali se torna possível o espaço público e, com ele, toda sorte de pactos de convivência, o "viver junto" que varre o mundo. O ônibus hostil é reflexo de uma sociedade hostil. Se não bastar esse argumento, que se sobreponha a ele o fato, contra o qual não há argumentos, de que o transporte coletivo precisa parar de perder adeptos. Não será com a política da cara feia que conseguirá reverter a tendência.

Em tempo. O "efeito Hibribus" pode não durar. Na medida em que os motoristas melhorem sua destreza, devem recomeçar a andar mais rápido, sujeitando os demais ao inferno dos solavancos. As atenções com os passageiros tendem a diminuir na proporção inversa em que a mesmice se impõe. Enquanto um projeto sólido de atendimento não vinga, resta-nos lembrar à turma do Hibribus os poucos dias alegres que tivemos. Se sentirem o mesmo, estaremos próximos de um acordo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]