A entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao programa "Roda Viva", transmitido em rede de tevê nacional na última segunda-feira, foi esclarecedora sob alguns aspectos; em muitos, porém, não foi capaz de levantar o véu da obscuridade que ainda pesa sobre inúmeros pontos da crise política que, há quase seis longos meses, envolve o seu governo e o PT, o partido que fundou e que o levou ao poder máximo da República. Reconheça-se e comemore-se desde logo, porém, o lado indubitavelmente mais positivo de que se revestiu a entrevista foi a primeira desde a sua posse na Presidência em que não se absteve de suportar uma sabatina tão franca em torno de temas igualmente tão nevrálgicos.
Viu-se na entrevista um Lula mostrando várias faces. Atuou como Presidente, como candidato à reeleição, como militante partidário e como espectador e agente da superação da crise. Neste ponto, falando como chefe de Estado, pela primeira vez assumiu para si a missão que naturalmente lhe compete: "O presidente da República tem toda responsabilidade. Ou seja, pelo bem ou pelo mal, não tem como o presidente da República dizer que não tem responsabilidade. Sabendo ou não sabendo, o presidente da República tem que ter responsabilidade, tem que mandar apurar. Esse é o papel do presidente da República."
Mas falou também neste momento o militante partidário. Enalteceu a história do Partido dos Trabalhadores e seu compromisso com a ética e lamentou os "erros" (de novo evitou a palavra crimes) de alguns de seus membros, dentre os quais Delúbio Soares, a quem atribuiu apenas o "equívoco" de ter terceirizado a arrecadação de recursos de campanha. Absolveu o ex-ministro e deputado José Dirceu, embora acredite que, mesmo sem culpa, será cassado pela Câmara em razão de motivações exclusivamente políticas. Surpreendemente, porém, embora as investigações não estejam concluídas nem as das CPIs nem as da Polícia Federal e do Ministério Público , alegrou-se com a inexistência de provas que caracterizem atos de corrupção em seu governo, dentre os quais o mensalão, que classificou de mera fantasia.
Como espectador da crise, reafirmou o que repete com insistência: não sabia de nada disso que hoje se denuncia.
Como candidato à reeleição, desmentiu já ter tomado essa opção mas discursou como tal. Desfiou longamente os sucessos de seu governo, centrando os elogios na condução da política econômica e nos indicadores do progresso obtido, como a estabilização da moeda, o crescimento das exportações, a recuperação do emprego. Elogiou também a extensão e a eficácia dos programas sociais para promover a inclusão dos desvalidos e reduzir as desigualdades.
Poucas foram, no entanto, as novidades pronunciadas. De importante mesmo só a entrevista em si, mais por ter produzido um fato político, menos pelo seu como conteúdo a despeito do visível esforço dos experimentados jornalistas que dela participaram. Valeu pelo esforço e pela principal expectativa que criou: quando será a próxima entrevista?
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