A concessão do Prêmio Nobel de Medicina ao pesquisador japonês Shinya Yamanaka (juntamente com o britânico John B. Gurdon) traz reflexões que ultrapassam o âmbito da ciência. Efetivamente, foi uma opção ética que levou Yamanaka a enveredar pela linha de pesquisa agora premiada, depois de ter trabalhado por algum tempo com células-tronco embrionárias humanas.
No dia 11 de dezembro de 2007, comentando o artigo em que pela primeira vez demonstrou a possibilidade de se obterem células-tronco pluripotentes induzidas a partir de células de pele humanas, ele relatou ao jornal The New York Times o efeito que teve sobre ele o olhar ao microscópio, a convite de um amigo, um dos embriões humanos estocados na clínica: "quando vi o embrião, eu de repente me dei conta de que havia uma diferença muito pequena entre ele e minhas filhas. Pensei: nós não podemos continuar destruindo embriões para nossa pesquisa. Deve haver outro meio."
Para encontrar esse "outro meio", o dr. Yamanaka dedicou vários anos de pesquisas, que o levaram não somente ao sucesso técnico na obtenção das células pluripotentes, mas também a um grande aprofundamento no conhecimento que hoje temos sobre a regulação gênica.
As descobertas do dr. Yamanaka coincidiram com os debates aqui no Brasil, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a constitucionalidade da destruição de embriões humanos para que se obtivessem as células-tronco embrionárias, então apresentadas à opinião pública como se fossem a grande promessa para a terapia celular, da qual derivaria a cura de inúmeras doenças.
Na audiência pública realizada no dia 20 de abril de 2007, a primeira da história do STF, a dra. Alice Teixeira Ferreira, pesquisadora com células-tronco na Unifesp, relatou os excelentes resultados do dr. Yamanaka ao obter células pluripotentes a partir de células adultas de camundongo. Esclareceu que tudo indicava que em breve elas seriam obtidas também em humanos, e que eram a verdadeira promessa de tratamento, não sendo necessária a destruição de embriões.
Efetivamente, em novembro daquele mesmo ano foram publicados os primeiros trabalhos com a obtenção de células-tronco pluripotentes induzidas humanas. Em seu pronunciamento em defesa do embrião humano, no primeiro dia do julgamento no STF, em 5 de março de 2008, o grande jurista Ives Gandra Martins surpreendeu ao fazer uma abordagem científica, ressaltando a importância dessas publicações.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista, e em 5 de maio de 2008 fui uma das signatárias da Declaração de Brasília, na qual dizíamos, entre outras coisas: "No segundo semestre de 2007, dois importantes trabalhos científicos, um dos quais de um grupo norte-americano liderado pelo dr. Thomson (o primeiro a obter uma linhagem de células-tronco embrionárias humanas) e outro, coordenado pelo dr. Yamanaka, no Japão, mostraram a possibilidade de se obter, a partir de células adultas do próprio paciente, células-tronco humanas pluripotentes sem destruir o embrião."
Infelizmente, os nossos argumentos não foram suficientes para convencer os ministros do STF, que autorizaram as pesquisas com embriões humanos argumentando com a "necessidade" dessa pesquisa para tantos doentes que nela tinham a sua esperança. Gradativamente, a história vai mostrando que, como pensou o dr. Yamanaka, "deve haver outro meio".
Lenise Garcia é professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).
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