O Brasil tornou-se um palco de grandes eventos internacionais. Os mais conhecidos, sem dúvida, são a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que se aproximam. Mas há outros, como a Jornada Mundial da Juventude, recentemente realizada, e fala-se ainda em trazer para São Paulo a celebrada Exposição Universal de 2020. A chegada desses megaeventos tem enorme impacto, trazendo milhões de turistas ao Brasil e atraindo os olhos do planeta para o que aqui acontece.

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A discussão sobre este tema orbita frequentemente em torno do legado que será deixado ao país: obras de infraestrutura urbana, investimentos bilionários, novos negócios. Mas há mais questões para as quais temos de prestar atenção como sociedade – por exemplo, a imagem que o Brasil quer deixar para o mundo no que tange ao respeito aos direitos humanos.

Durante a Copa das Confederações, realizada em junho, tivemos uma clara demonstração do que isso representa. Por todo o mundo, o noticiário se dividiu entre os jogos nos gramados e as manifestações populares nas ruas. O mundo se deu conta de que há mais que futebol e samba no horizonte dos brasileiros: há desejo de transformação social, há reivindicação por direitos.

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No que toca diretamente aos direitos das crianças e dos adolescentes, os megaeventos embutem riscos. Conhecido destino do turismo sexual e historicamente marcado pelo trabalho infantil, o Brasil deve ter consciência dos perigos de violação dos direitos de crianças e adolescentes que fazem parte do pacote de consequências de ser país-sede desses megaeventos. A atração gerada pelos recursos que chegam com os turistas evidentemente aguça as redes de interesses que internamente aviltam crianças e adolescentes.

Fazer cartazes de advertência e afixá-los em aeroportos e hotéis é muito pouco. O abuso e a exploração sexual são potencializados pelo turismo, mas possuem raízes internas que precisam ser combatidas e desarticuladas com muito mais vigor do que hoje. Reside aí a oportunidade da reafirmação, pela sociedade brasileira, do compromisso com a promoção e a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, no amplo sentido.

O momento é de refletir sobre as políticas municipais, estaduais e federais para a infância e a adolescência no que se refere ao direito ao esporte e ao lazer. Veremos, então, que o palco da Olimpíada de 2016 tem 40% dos alunos do ensino fundamental matriculados em escolas desprovidas de quadras esportivas.

Isso é muito grave, se tomarmos em conta a dimensão educativa do esporte, que deve fazer parte de qualquer projeto pedagógico; dimensão necessária para o desenvolvimento pleno dos seres humanos e decisiva para a formação de valores, como o espírito de equipe e de cooperação ou a compreensão e respeito a regras mutuamente acordadas.

Por todas essas razões, a realização dos grandes eventos esportivos constitui uma oportunidade de ouro para que as prefeituras sejam pressionadas a instituir os conselhos municipais de esportes para estimular o acesso da população à prática esportiva, ocupando espaços públicos e vivendo mais plenamente a cidade.

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Já temos, enfim, olhos de todo o planeta focados no Brasil e precisamos saber urgentemente como queremos ser vistos como democracia. Não podemos esquecer jamais que já exportamos imagens terríveis no que se refere à violação dos direitos de crianças e adolescentes, como a brutal chacina da Candelária, que completou duas décadas neste ano.

Desde então, o Brasil mudou muito, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um marco dessa evolução, mas há muito ainda a ser feito. Com os holofotes sobre nós, temos a chance histórica de ratificar nosso compromisso com o futuro. A Copa das Confederações já deixou, entre seus ativos, um legado tão inesperado quanto rico, mostrando um país que não se contenta em celebrar vitórias no esporte. Algo novo acontece e temos todos o que aprender com isso. Que venha a Copa do Mundo, que venha a Olimpíada! O mundo olhará para as medalhas de ouro, sem dúvida, mas não deixará passar despercebido o que o Brasil tem realmente a mostrar sobre seu estágio civilizatório.

Paulo Castro, diretor-executivo do Instituto C&A.