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Acaso, segundo o dicionário Houaiss, significa ocorrência, acontecimento casual, incerto ou imprevisível, eventualidade. Acidente seria um "acontecimento casual, inesperado, fortuito". Diante dos conceitos, como definir acidentes de trânsito? Como explicar as supostas mais de 40 mil mortes anunciadas por causa da mobilidade insegura somente no Brasil? Seriam, de fato, acidentes?

Para promover um debate sobre o tema, a Organização das Nações Unidas instituiu o terceiro domingo de novembro como o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Trânsito. A data já passou, mas fui incitada por um amigo a refletir sobre seu impacto. O evento é uma oportunidade para alertar sobre a violência viária no mundo, sensibilizar e mobilizar uma parcela maior da população, dando voz àqueles que sofrem as consequências, diretas e indiretas, do trauma de um acidente. Uma oportunidade de torná-los menos impotentes na luta pela mudança, pela justiça. Indiscutível que seja uma importante data.

Nota-se, entretanto, que eventos no país e também no exterior destacaram-se por prestar uma bonita homenagem. As histórias dos acidentes e mortes no trânsito comoveram quem participou: um público determinado, principalmente composto por familiares e amigos de vítimas e por quem já milita pela segurança no trânsito. Não menos relevante, deixo claro. Mas como fica o restante da população? Os motoristas imprudentes que podem se tornar vítimas ou vitimar tantas outras pessoas? Os pedestres distraídos? Os cidadãos desatentos? Como penetrar um ambiente tão multifacetado que dificulta a compreensão do que realmente é eficaz quando o assunto é educação e conscientização?

Em tempos de acesso livre a uma verdadeira enxurrada de informação, como construir ações voltadas para um tema que, normalmente, só tem apelo para quem já foi vítima ou conhece alguém que sofreu acidente no trânsito? É bem verdade que as campanhas de comunicação e ações de educação especializadas enfrentam um grande desafio: disseminar a mensagem para um público plural e imenso. E, muitas vezes, o objetivo se perde na tentativa de "querer abraçar o mundo".

Nesse sentido, a ideia de memória (ou memorial) é válida. Inclusive seria interessante que fosse algo permanente, em um ponto de grande visibilidade, que marque e possa ser lembrado sempre (como memoriais de guerra). A forma como a data é trabalhada pode ser melhor explorada. Trata-se de um bom tema para ações mais positivas e mobilizadoras. As ferramentas de comunicação disponíveis são muitas. Acredito na diversidade, na continuidade das campanhas, no amplo alcance como a melhor tônica. É preciso utilizar todas as formas, seja o humor, o choque, a ousadia, o testemunho de celebridades ou formadores de opinião – afinal, não se pode esquecer que este público não tem apenas um perfil. E não menos importante: associar as campanhas a outras políticas públicas, à elaboração de leis rígidas e aplicáveis na prática.

Talvez a pergunta que não esteja sendo feita é: quem são as verdadeiras vítimas a quem devemos prestar homenagem, senão a população que desdenha da importância que o debate amplo sobre o trânsito representa? E a resposta da pergunta no início do texto é não. Não é acidente.

Maria Amélia Marques Franco, especialista em Gestão de Trânsito e Mobilidade Urbana pela PUCPR, é gerente de Marketing e Comunicação Corporativa da Perkons, empresa especializada em gestão da informação do trânsito.

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