Colocaram na fornalha para queimar o que temos de mais precioso, que é o nosso patrimônio natural em benefício de um grupo que aprendeu a fazer da agricultura uma atividade dependente de favores e abertura de precedentes

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Não vivemos um momento de incontrolável revolta popular para fazer frente às manobras explícitas da Câmara, do Senado e do governo federal, em relação ao desmonte da legislação ambiental brasileira. Em especial, no caso do Código Florestal. Os esforços para esclarecer os políticos não encontraram qualquer receptividade. A população assiste, inerte, ao que se arquiteta para um futuro próximo, que vai afetar a vida de todos.

Não fomos capazes de chamar a população às ruas, embora a ciência e qualquer análise minimamente lúcida demonstrem a insanidade presente em todo esse retrocesso que louva, como uma verdadeira religião, a linha do desenvolvimento a qualquer custo. Mesmo os movimentos sociais mais representativos parecem amortecidos, murmurando protestos quando era preciso gritar, e muito, para combater realmente de frente este problema. Parecem também dividir, em algum grau, a linha do desenvolvimento a qualquer custo.

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É muito duro, principalmente para os mais jovens, entre os milhares que se envolveram em grupos que lutam contra as mudanças que vêm sendo articuladas, perceber que o bom senso e o interesse público podem ser, e são, atropelados facilmente pelo poder econômico. Por jogos de cena, por artimanhas forjadas na mais sofisticada linha marqueteira que o mercado pode oferecer, transformam interesses espúrios e setoriais em bandeiras de condição de sobrevivência para o futuro. Jogam a ciência no lixo, sem nem pestanejar.

Um dos maiores prejuízos de fenômenos como o desmonte articulado do Código Florestal é, certamente, a consolidação na descrença nas instituições, já fortemente sustentada por motivos que sobram. Descrença que contamina o sentimento do interesse público, do tal cidadão que não foge à luta, e quer um país mais justo e equilibrado para viver e para ver seus filhos e netos crescerem com qualidade de vida assegurada. A gente de poder do Brasil está cometendo um crime de proporções não previsíveis, mas, com certeza, grandes. A manipulação do governo, do agronegócio e do Legislativo é um tiro de misericórdia no que ainda sobra de expectativa de dignidade e moralidade das quais tanto precisamos.

Colocaram na fornalha para queimar o que temos de mais precioso, que é o nosso patrimônio natural, apenas para ver o fogo arder rápido, em benefício de um grupo que aprendeu a fazer da agricultura uma atividade dependente de favores e abertura de precedentes, à custa da maioria da população. Essa foi, desde o início, a missão dos políticos que abraçaram a mudança do Código Florestal como bandeira. É claro que – para aqueles que levantaram alto a bandeira, sobrarão vantagens individuais muito bem calculadas, na ciranda das trocas de favores que exprime o pior tipo de patrimonialismo, vigente e histórico, em nossa terra.

Reconhecer a impossibilidade de fazer frente ao rolo compressor ruralista não é um demérito. Afinal, eles são os poderosos do momento. E o governo federal, claramente alinhado ao perfil pregresso de uma presidente recém-assumida, faz jogo de cena, silencia, é conivente. E, ainda por cima, quer passar pelo processo sem pagar a conta do desgaste, que merecidamente terá de assumir, não só pela demonstração de fraqueza interna como para com a opinião pública internacional.

Semana passada, foi postergada por alguns dias a data de realização da Rio + 20, conferência internacional convocada para avaliar o estado da arte do meio ambiente, 20 anos depois da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Na verdade, uma decisão como essa poderia ser um pouco mais radical e oportuna: a senhora presidente Dilma Rousseff, convicta na defesa de um modelo de desenvolvimento com a cara do século passado, deveria oferecer a algum país mais respeitável o compromisso de realizar este evento tão relevante e demandador de bons exemplos e honestidade para a efetivação das mudanças que o planeta exige de forma tão emergencial. O Brasil não é a casa para este tipo de discussão. Não mais.

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Se não optar pelo bom senso de desistir de sediar eventos de faz de conta, então assuma agora, enquanto é tempo, uma postura minimamente digna e imploda as artimanhas casuísticas dos larápios com os quais convive em Brasília.

Clóvis Borges é diretor-executivo da ONG Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS). Teresa Urban é jornalista.