A eleição de um presidente efetivo para a Câmara dos Deputados, realizada ontem – após o interregno incorporado na curta gestão do sr. Severino Cavalcanti – permitirá que a câmara baixa do Congresso Nacional retome sua agenda legislativa e, mais do que isso, passe a integrar em alto nível a cúpula das instituições republicanas do Brasil. A nação espera que o líder escolhido pelos deputados federais, os "comuns" brasileiros, aspire à estatura política de um Ulysses Guimarães, com sua obsessão pelo estado de direito, pregação ética e sua conduta pessoal irrepreensível – requisitos bem-vindos nesta hora fundamental para o resgate da confiança da sociedade na democracia representativa.

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Com efeito, um presidente qualificado na Câmara dos Deputados contribuirá para a legitimidade do sistema, isto é, melhoria do quadro nacional num momento de perplexidade derivado de fatores vários: amplitude dos desvios de comportamento apurados pelas CPIs em curso no Congresso, a movimentação autônoma de grupos que operam à margem da lei invadindo bens e propriedades e a antecipação da corrida eleitoral. Neste momento a retomada de uma agenda dotada de credibilidade poderá melhorar a imagem dos congressistas, superando o sentimento de paralisia registrado por diversas personalidades, durante recente entrevista a este jornal. O estabelecimento dessa pauta de reformas – após discussão com os líderes de bancadas, o governo e outros setores da sociedade – deve envolver a adoção de medidas viáveis para reduzir o risco da repetição dos escândalos que afetaram o Congresso. Entre elas, destacadamente, a reforma política.

Porém, além dos problemas relativos ao Congresso cumpre resgatar a raiz da presente crise. Ela se originou de distorções no relacionamento do ramo executivo com o Parlamento, dentro de uma moldura que incluiu outras práticas estranhas à cultura democrática por parte dos ocupantes do Palácio do Planalto: tentativa de cercear a imprensa e a classe artística, busca de retomada de controle sobre as agências reguladoras, perfil autoritário nos tributos via medidas provisórias, etc. Essa sucessão de falhas derrubou a popularidade do presidente da República e erodiu a confiança dos formadores de opinião no governo e em seu partido de base.

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A esta altura será preciso esforço redobrado para recuperar a confiança da sociedade na corrente política que assumiu o poder, em paralelo à restauração da mesma credibilidade na liderança congressual; principalmente na antevéspera das eleições gerais marcadas para o próximo ano. Mas o povo brasileiro – cordial e otimista, segundo a maioria dos pensadores – tende sempre a conceder ao governante o benefício da dúvida. Ainda é tempo de se buscar esse objetivo, com base no desempenho aceitável da base econômica e, sobretudo, com aproveitamento das condições favoráveis da conjuntura para reavivar os compromissos do governo e do Congresso junto à sociedade.