Conheci o professor John Gurdon em julho de 2011, em uma temporada de estudos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Embora ele não soubesse que viria a receber o Prêmio Nobel de Medicina em 2012, cientistas já comentavam que ele provavelmente seria um dos próximos da fila. O professor recebeu o prêmio 50 anos após suas pesquisas pioneiras na clonagem de girinos, precursoras para o estudo do japonês Shinya Yamanaka, covencedor do Nobel deste ano, que conseguiu transformar células adultas em células embrionárias, capazes de originar uma série de tecidos, inclusive componentes do cérebro e dos rins.
As pesquisas de Gurdon e Yamanaka reativaram a esperança de pacientes e abriram o caminho para potenciais "curas milagrosas". Mas o cientista britânico com quem conversei não vê os resultados dos estudos com células embrionárias como a solução de todas as mazelas humanas. Pelo contrário, reconhece que os avanços da ciência esbarrarão em limites éticos. Gurdon provoca o interlocutor com o seguinte exemplo: sabe-se que um em cada quatro portadores de fibrose cística vai desenvolver a doença. Em uma fertilização in vitro com dez embriões, podem-se remover os embriões com fibrose cística e implantar os normais. Gurdon pergunta: a seleção de embriões é ética? Minha resposta: não parece razoável condenar alguém por tentar evitar que o filho nasça com uma doença grave.
Outro exemplo: um pai e uma mãe perdem o filho em um trágico acidente. Pressupondo que eles possam armazenar o material genético do filho, seria ético a mãe retirar o núcleo de um óvulo fecundado, colocar o material do falecido dentro do óvulo e, então, inserir o resultado no próprio útero? Algo soa errado. Aqui a situação gera um sentimento de desconforto, como se houvesse algo de doentio em alguém tentar fazer um morto renascer. E, claro, pode-se argumentar que um ser humano não é feito apenas de genes. O bebê que venha a nascer não será o filho do casal, morto no acidente. Embora geneticamente idêntico, o bebê terá experiências diferentes, conhecerá pessoas diferentes, viverá em um mundo diferente. O bebê, pura e simplesmente, será outra pessoa.
Até que ponto a ciência pode ou deve interferir no curso da vida humana? Essa pergunta talvez não seja para um cientista, mas nem por isso Gurdon deixa de manifestar sua opinião. Parece-lhe que o procedimento no primeiro exemplo é mais aceitável que no segundo. Ele admite, porém, que as justificações éticas para essa conclusão são difíceis de articular. Será que selecionar embriões escolher que condições físicas um ser humano deve apresentar para obter o direito de nascer não é mais reprovável que simplesmente reutilizar material genético? A verdade é que não existem respostas certas ou erradas, mas respostas com maior ou menor força argumentativa. Cada um se convence daquilo que quiser e tenta persuadir o outro com base na argumentação.
Fica a lição de que a verdade científica, por si só, não é ética ou antiética; no universo de valores e princípios, ético ou antiético é o que fazemos com o conhecimento científico. Fica também o exemplo de que não é só de ciência que se vale um grande cientista.
Paulo Sergio de Albuquerque Coelho Filho, embaixador latino-americano da Universidade de Yale (EUA), foi redator (2010-11) do Yale Journal of Medicine & Law.
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