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O Rio de Janeiro foi sequestrado na última quarta-feira, durante grande parte do dia, por causa de uma carreata de 3 mil vans que parou a cidade de ponta a ponta. "Queremos usar nossa ferramenta de trabalho para obrigar a prefeitura a aceitar nossas reivindicações", declarou um dos organizadores, referindo-se, com certeza, aos tecelões ingleses que usaram martelos para quebrar os teares mecanizados no início da Revolução Industrial, há mais de três séculos.

A manifestação foi organizada por um candidato a vereador; algumas das reivindicações são justas e estavam sendo examinadas pelas autoridades, mas só poderão ser atendidas depois das eleições por força da legislação. Para quem não vive no Rio: o sistema de vans da cidade está infiltrado por milícias criminosas como forma de lavagem de dinheiro.

Uma "operação-padrão" da Polícia Federal parou aeroportos e portos na alta temporada, quando chegam os turistas do Hemisfério Norte; uma parede da Polícia Rodoviária Federal seccionou o país e impediu a circulação de mercadorias, algumas perecíveis, no momento em que a economia do país emitia sinais de estagnação; a greve nas universidades federais está comprometendo drasticamente o atendimento médico da população em todo o país – em alguns estados estão praticamente suspensos os transplantes de órgãos; uma greve dos servidores do Judiciário em Brasília quase impede o início do julgamento da Ação Penal 470, vulgo "mensalão".

Um motim tomou conta do Brasil e, ironicamente, os amotinados são designados como "servidores públicos". São servidores de seus interesses e de suas corporações; o bem público está acima das manobras e jogadas de guildas e gangues.

O governo demorou muito para reagir, esquecido da sua condição de defensor do interesse público. Só acordou na sexta-feira, quando o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, condenou os excessos dos grevistas, o absurdo de algumas reclamações e a radicalização das manifestações. A esta altura, diante do modismo dos motins, o murro na mesa deveria ter sido dado de forma mais robusta, ruidosa e explícita, de preferência pela grande especialista em matéria de broncas arrasadoras – Sua Excelência, a presidente da República.

A Justiça do Trabalho precisa capacitar-se de que o direito de greve não pode sobrepor-se aos interesses majoritários; a disputa legítima entre empregados e empregadores não pode sacrificar os inocentes, aqueles que merecem as atenções de ambos. Os chamados "serviços mínimos" constituem um avanço democrático que não pode ser desconsiderado e, apesar do nome, não pode ser minimizado. Ao contrário: a sociedade justa e desenvolvida exige que sejam maximizados. A queda de braço entre o capital e o trabalho ou, no caso, entre poder e contrapoder não pode sacrificar o bem-estar da sociedade nem a sua segurança.

A "operação-padrão" é um duplo escárnio: escancara as deficiências dos nossos paradigmas de atendimento e exibe a estultice dos que imaginam estar na vanguarda dos movimentos sociais. O que se convencionou chamar de "risco Brasil" é um sistema múltiplo de complacências com a baderna. De nada adiantará investir R$ 80 bilhões em logística e infraestrutura se a superestrutura – nossa consciência social – está minada pela crueldade.

Alberto Dines é jornalista.

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