O alívio no frenesi das CPIs com a festejada entrevista do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, de maior sucesso que o primeiro show do deputado Roberto Jefferson que iniciou toda a inana, abre breve trégua que me estimula a quebrar a norma profissional da sábia advertência que repórter não é notícia, para o desabafo pessoal, justificável pela barafunda desta fase enlouquecida, a virar pelo avesso conceitos e valores.
Confesso o meu constrangimento em remexer assuntos de família. Mas, com o modismo que revoluciona praxes venerandas, receio a cobrança da incoerência entre a crítica do exercício profissional e a omissão de registros domésticos. Entrego os pontos e abro a guarda: não sou filho de mãe analfabeta. Falecida há 76 anos, na maturidade dos 33 anos, deixou-me órfão aos oito anos. Não chegou a utilizar o certificado de conclusão do curso na Escola Normal para o exercício do magistério. Já que comecei, vou adiante: meu pai também não era analfabeto. Com o diploma de bacharel, cedeu ao apelo da vocação e fez carreira da magistratura mineira, chegando a desembargador e presidente do Tribunal Regional Eleitoral. Escancarei as portas da vida, expondo-me à chuva e trovoada. Mais um adendo, como atenuante para as escorregadelas biográficas: meus pais nasceram analfabetos, singularidade que distingue a família nos dois galhos da árvore genealógica. Recado dado, respiro fundo. Vamos mudar de assunto, retomando a rotina.
Amiudaram-se os sinais do despertar de reações minoritárias no Congresso ao desmoralizante desgaste moral da instituição e da urgência de corretivos, a serem desdobrados em etapas para os ajustes às imposições dos prazos. Para começo da limpeza geral, os faxineiros propõem medidas de emergência para aprovação até setembro, a tempo de vigorar na campanha eleitoral de 2006. O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, provocou o debate, sugerindo soluções que freqüentam as conversas especulativas. Entre as mais necessárias, alinha-se o enxugamento da campanha, com a proibição dos recursos milionários de novelas no horário eleitoral gratuito, que encolheria para a exposição do candidato para apresentar e sustentar as suas propostas, com a singela decoração do estúdio pelos símbolos do partido. No mais, a cláusula de barreira para enxugar o inflado quadro partidário; a limitação das doações às campanhas, com a exclusão de entidades sustentadas por recursos públicos, para a vigilância possível aos desatinos do caixa 2. Uma boa arrancada. Certamente a Câmara enfiará a sua colher no caldeirão senatorial para apresentar as emendas do interesse dos deputados.
No momento, antes que as CPIs dos Correios, dos Bingos e do mensalão apresentem as suas conclusões não é prudente passar a segunda etapa. Remendos nos buracos sem fundo em que despencou a credibilidade do Executivo terão que ser colados com a mobilização da sociedade nas reações às conclusões da trinca de CPIs.Nova decepção fatalmente desencadeará uma onda gigantesca de protestos que inundará as praças e ruas com as passeatas dos caras-pintadas, dos movimentos sociais organizados com a adesão maciça da indignação nacional. É a dosagem da ira popular que pautará a sensibilidade de senadores e deputados, acuados pelo medo da perda dos mandatos milionários, pela enxurrada dos votos em branco da frustração, pelos apupos e demais explosões que virtualmente impeçam a campanha. Com ou sem a convocação da Constituinte restrita à reforma política, a revisão será imposta pela pressão da opinião pública refletida e impulsionada pelos jornais, revistas, emissoras de rádio e redes de tevê. O foro adequado para analisar as causas primárias da impopularidade alarmante do mais democrático dos poderes. E entre os temas compulsórios a orgia das mordomias, das vantagens, dos benefícios que degradaram os mandatos à insensatez indefensável das verbas indenizatórias, mascarada do salário indireto, precursora do mensalão com a cobertura da sua discutível capa legal. A listagem é longa, com filhotes a cada sessão legislativa. Das quatro passagens mensais para suas excelências desfrutarem o fim de semana com a família a pretexto de contatos com a base eleitoral e regar o canteiro da madraçaria da semana de dois a três dias úteis ao exagero das verbas para contratar assessores para os gabinetes individuais, nichos de nepotismo e outras tramóias sabidas. E muito, muito mais. Sobra assunto para conversa enquanto a população está alerta e espuma de justa e enojada cólera.
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