O recém-lançado projeto do governo do estado, com o objetivo de preservar a memória e a arquitetura das escolas tombadas do Paraná, tende a ser mais que uma mão de tinta nas fachadas desbotadas dos velhos colégios. A proposta acaba tocando em um dos grandes debates do nosso tempo: o que discute o lugar do passado na vida das cidades, cada vez mais velozes e furiosas.

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Não é questão que se resolva com meia dúzia de palavras edificantes sobre os tempos idos. É consenso entre os pesquisadores que a história se popularizou, o que não é propriamente uma boa notícia. O mercado de biografias e relatos impressionistas, quase sempre nascidos da linguagem ligeira da imprensa, teriam transformado a memória em mercadoria de fácil digestão. A história self-service tende a vir atualizada pelos valores do presente, quando não temperada por fatos banais do cotidiano, contados a partir do heroísmo dos personagens. O consumo do passado se converteu em um suvenir barato.

Não é um privilégio do mercado editorial. São muitas as cidades que transformaram sua história em atrativo para o turismo – a exemplo das chamadas "cidades espetáculo", das quais Paris e Londres são os maiores representantes. Nesses lugares, o passado ganhou uma escala industrial, governado pelas bandeirinhas dos guias para conduzir seus grupos.

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Em paralelo, não menos cidades reproduzem o passado qual um cenário, com colunas e chafarizes produzidos a granel. A moda vintage atinge também bares temáticos e demais espaços do entretenimento. Para revisitar tempos idos, basta um ingresso ou um valet. Para pesquisadores como Ulpiano Bezerra de Meneses, da USP, o que parece celebração pode não passar de um sintoma do esquecimento. Alegoriza-se o que definitivamente ficou para trás, passando a interessar apenas pelo seu aspecto folclórico e superficial. O efeito é o de um baile à fantasia.

Entende-se que a crise da memória se deu por causa da velocidade com que os espaços são desmanchados. A arquitetura urbana sofre de aeração. As casas das nossas infâncias não estão mais lá. Os espaços, feitos para serem usados – inclusive como espaço para aninhar as lembranças –, precisam ser sempre novos, refeitos e tea­­tralizados para que sejam reconhecidos como lugares, até que se imponha uma nova substituição. É o novo mal-estar da civilização.

Em resposta a esse movimento contínuo de demolição, há quem dê como troco um culto canhestro ao passado, de modo a mumificá-lo, como única saída ao apagamento. O preço dessa postura é que os representantes dos setores de patrimônio se veem apartados das grandes discussões, pois sua presença é sinônimo de impedimento à expansão urbana, cada vez mais carente de áreas por onde crescer. Pura esquizofrenia.

Ao mesmo tempo em que se frequenta um restaurante que imita os anos 1930, ficam dúvidas sobre como e por que manter em pé uma fábrica antiga ou um conjunto de casas ferroviárias. De que serve o passado, afinal? Eis a mais contemporânea das dúvidas. Qualquer um que tenha nascido nas últimas quatro décadas cresceu sendo convidado ao esquecimento, pois esquecer é o verbo que move a sociedade de consumo.

O movimento de preservação das escolas antigas se encontra no meio desse tiroteio, com alguma vantagem. Instituições de ensino não são parques temáticos. Não se prestam a alavancar o turismo. Também não são museus e nem podem ser congelados, pois são usados por pelo menos mil pessoas a cada dia. Mas resistem ao esquecimento, pois são um elo em comum entre milhares e milhares de pessoas, que guardam seus relicários atrás daquelas paredes.

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Como dizia santo Agostinho, "o coração é a sede da memória". A coisificação e a amnésia não se aplicam ao lugar dos verdes anos do ensino. Tomara os projetos de resgate das escolas se estendam aos que a conheceram bem de perto. O que têm a dizer é sem preço e não envelhece, assim como a História, aquela.