• Carregando...

Conheci-o já muito velho e infelizmente só pude visitá-lo duas vezes; faleceu logo em seguida. Era um senhor de origem polonesa e carregava uma das mais belas histórias de vida que já ouvi. Certo dia, recebi o convite de um amigo que trabalha com proteção ambiental para visitar uma das últimas áreas preservadas de floresta de araucárias no Paraná. Entusiasmado, dizia ter descoberto pinheiros centenários, à margem de um trecho do Rio Iguaçu. Um achado precioso.

Não demorou muito e estávamos em uma estrada rural que se estreitava em meio a imensos pinheirais. A mata de araucária é triste, quieta, e, ao andarmos por baixo das suas copas, temos a sensação de estar em uma imensa catedral. Quando as árvores estão alinhadas, quase juntas, o encostar dos galhos e a força dos ventos produz um ranger melancólico e constante, uma mensagem chorosa a nos dizer: "Vivemos neste planeta por quase 300 milhões de anos e vocês acabaram conosco em tão pouco tempo".

A casa do senhorzinho, ao estilo eslavo, se desmanchava por falta de manutenção e algo no ar nos dizia: "aqui existe uma digna história de vida". Ele nos recebeu sentado em uma cadeira de palhas, desfiadas pelo uso. Vestia um terno roto que moldava seu corpo franzino e uma pequena corda amarrada à cintura segurava as calças. Acostumado em ver aquele tipo de vestimenta, não estranhei; meu avô também se vestia assim. Era comum entre os imigrantes usar ternos de ir à missa e a casamentos como roupas de uso cotidiano na velhice.

Logo começaram as surpresas: nas paredes da casa estava escrita, ora em português, ora em polonês, a lápis, a datação dos primeiros cantos de cada pássaro nos inícios de primavera, desde 1927. "Hoje, 24 de agosto de 1939, o sabiá-laranjeira cantou pela primeira vez às quatro horas e seis minutos". O tico-tico em 1947, o mãe-da-lua em 1962, e assim por diante. Só a oportunidade de olhar aquelas anotações já valera a visita.

Casa adentro, no chão da sala, em meio a tábuas que se desfaziam, uma toca de tatu. Em cima dos móveis, as imagens nos porta-retratos eram só a impressão do que um dia fora um retrato de família. Os apontamentos grifados na foto do navio que os trouxera da Polônia já haviam desvanecido. Só o velho ficara para proteger a casa e a mata. O tempo, como sempre, implacável.

Contou-nos que na área havia um pinheiro com mais de 600 anos e que ele lutara a vida inteira para que não o derrubassem; alguns que ele começara a plantar desde os 7 anos estavam dando pinhões. Aprendera a plantá-los com o pai e nunca mais parou. O fato raro é que poucas pessoas no mundo plantaram e colheram pinhões em vida.

Em voz quase inaudível, nos falou sobre os tempos do início da Colônia, quando, além de trabalhar na lavoura, era professor e dava aulas em português e em polonês; e disse que escrevia peças de teatro para os moradores das localidades. Sempre que podia, colocava nos textos a necessidade de proteger os pinheirais.

Morava sozinho, e pela fraqueza quase não se movimentava mais; ficava sentado na velha área. Na ausência de visitas, os caxinguelês saíam da mata e faziam-lhe companhia subindo e descendo por seu corpo franzino, brincando com seus ralos cabelos brancos, velando sua velhice. Tempos depois, soube que as autoridades locais declararam a área de preservação permanente; a memória do sr. Wachowski ainda habita o local.

Eloi Zanetti, consultor e palestrante em marketing, comunicação corporativa, criatividade e vendas, é cocriador da Escola de Criatividade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]