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Reconhecidamente, prevalece um clima de aparente contraste entre a situação política e o quadro macroeconômico brasileiro. Isso porque, embora as denúncias e escândalos apurados pelas CPIs dos Bingos, dos Correios e do Mensalão, envolvendo figuras expoentes do Partido dos Trabalhadores (PT) e da base aliada, alcançando o ministro da Fazenda, o pPresidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, permitam enxergar e dimensionar a maior crise política da história do país, os resultados macroeconômicos ainda exibem desempenho satisfatório, retratado na melhora inquestionável da concatenação entre inflação, nível de atividade, contas públicas e balança de pagamentos.

De forma equivocada e/ou tendenciosa, analistas de mercado, e o próprio governo, têm diagnosticado que esse aparente paradoxo estaria reproduzindo a maturidade da economia do país e a ampliação de suas defesas ante os choques exógenos ao sistema, ignorando, aparentemente, que o verdadeiro sinal de amadurecimento vem sendo emitido pela democracia.

Esse tipo de conduta dos agentes ante a colheita de uma safra de indicadores econômicos positivos, ainda que de qualidade, abrangência e fôlego temporal limitados, foi batizado como "superávit de otimismo", no ano de 2002, pelo economista Reinaldo Gonçalves, para rotular a disposição das elites em maximizar os pontos fortes dos cenários conjunturais em meio a ambientes marcados por flagrantes déficits de infra-estrutura econômica e social.

De um lado, existe uma forte e generalizada convicção entre os atores sociais de o país atravessar um momento de instabilidade que articula o governo a algumas peças podres do Legislativo e das estruturas partidárias. Por enquanto, não se percebe qualquer perigo de reações de caráter populistas ou indícios de delineamento de uma crise institucional, capaz de abalar o Estado e representar o estopim de uma catástrofe no aparelho produtivo.

Poderiam ser tomados como exemplos de esmorecimento do Estado, na história recente do país, os acontecimentos dos primórdios dos anos 1960 e de 2002. No começo da década de 1960, a renúncia do presidente Jânio Quadros e a administração tumultuada do vice João Goulart, pressionada pela concatenação entre o parlamentarismo monitorado, a exacerbação do populismo (com corte socialista depois da Revolução Cubana) e a maximização dos componentes conjunturais e estruturais da crise econômica, resultaram no Golpe de 1964.

Em 2002, o medo de vitória eleitoral de uma corrente de centro-esquerda, amparada na retórica de derrubada do modelo neoliberal, impingido à sociedade brasileira desde o inicio do decênio de 1990 e monitorado por instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, de violação dos direitos de propriedade, de rompimento de contratos e de reestruturação forçada dos passivos, provocaram interrupção do crédito externo ao Brasil e pronunciado movimento especulativo contra o Real. Tais constrangimentos foram equacionados com o lançamento da Carta ao Povo Brasileiro, por parte do candidato da frente de oposições naquele ano.

No estágio presente, a substituição de ministros, a provável cassação de mandatos de parlamentares, a constatação de participação do grupo forte do governo nos escândalos de corrupção e mesmo a improvável instauração de um impeachment do Presidente – e a posse do vice, contrário à estratégia de contenção monetária e fiscal – denotariam a consolidação das instituições democráticas reconquistadas em 1985.

De outro lado, o colapso econômico pode ser descartado, ao menos em curto prazo, em virtude de motivações políticas e internacionais. Enquanto no front político emerge exatamente o fortalecimento da democracia, pelo ângulo produtivo surge a conjugação de elementos positivos externos, resumida na expansão do comércio e liquidez mundiais, que se traduz na elevação das quantidades vendidas e dos preços das commodities (minério de ferro, aço, petroquímicos e carnes) e, por extensão, na ampliação do valor das exportações e dos lucros e redução do endividamento das companhias brasileiras atuantes no mercado internacional.

Em outros termos, além de passarem a desfrutar dos benefícios trazidos pela indiscutível melhora nas relações de troca, as empresas brasileiras vêm tirando proveito da conformação de uma nova geografia dos fluxos de comércio mundiais, com a consolidação da presença da China, Índia e outros asiáticos, e a recuperação da economia dos Estados Unidos.

Nesse clima, a discutível solidez dos fundamentos da orientação macroeconômica perde peso explicativo, dada a sua aceitação somente quando considerado o terreno, mesmo que minado, do combate à inflação, resultante da dobradinha juros reais excessivamente elevados e câmbio apreciado, insustentável a médio e longo prazo.

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