Nunca na história a pecuária paranaense viveu o drama kafkiano que hoje enfrenta por conta da polêmica travada em torno da ainda discutível existência de focos de febre aftosa no estado. Os prejuízos causados para toda a economia brasileira e, especificamente, ao setor pecuário estadual ascendem já a pelo menos US$ 200 milhões somente em exportações que deixaram de ser efetuadas desde outubro último, quando se constatou o ressurgimento (nesse caso real) da doença em rebanhos do Mato Grosso do Sul.
O non sense, típico do teatro do absurdo do qual Ionesco foi o grande mestre, começa no fato de que até agora, quase dois meses após o aparecimento da primeira suspeita, nenhum exame laboratorial ter sido aceito como prova insofismável da contaminação em território paranaense. Só na última terça-feira é que o Ministério da Agricultura afirmou categoricamente que se constatou, de fato, presença de aftosa numa fazenda da Região Norte, citando teste sorológico realizado em Porto Alegre. De pronto, porém, o governo paranaense prometeu contestar esse laudo "diplomática, administrativa e, se necessário, até juridicamente", recusando-se a tomar as medidas sanitárias cabíveis.
Mas, enquanto se prolonga essa pendenga, permanecem as limitações impostas ao ciclo da atividade pecuária, da criação e transporte de animais à sua comercialização interna e externa. Divisas interestaduais já estiveram fechadas para o trânsito de produtos de origem bovina, dezenas de países suspenderam suas compras. E a imagem do Paraná como produtor pecuário de alta qualidade foi afetada negativamente.
Apesar disso isto é, apesar dos exames anteriores insuficientes para comprovar o surto, da confirmação também colocada em dúvida e das perdas que se acumulam o Ministério da Agricultura e a Secretaria Estadual de Agricultura não chegam a um acordo definitivo sobre o que fazer. Em reunião realizada em Brasília na última terça-feira, teve prosseguimento a peça absurda a inusitada proposta do Ministério da Agricultura para que o Paraná promova todas as medidas sanitárias cabíveis para o combate à aftosa, mesmo sem confirmação tecnicamente incontestável das suspeitas. Entre tais medidas está o sacrifício de animais na região do suposto foco, com o que não concordam as autoridades paranaenses.
A previsão de prejuízo não se circunscreve ao abate dos animais, mas, sobretudo, à imagem do Paraná como produtor pecuário de qualidade. A aceitação passiva das medidas recomendadas pelo Ministério equivaleria ao reconhecimento, por parte do Paraná, de que seu sistema de prevenção de zoonoses não é confiável, o que, para dizer o mínimo, redundará na desvalorização de seus produtos.
Não há explicação racional para esse quadro de radicalização. E nem nos é mais permitido continuar assistindo-o passivamente. É urgente, para o bem da economia, dos produtores pecuários, industriais da carne e de laticínios e de milhares de trabalhadores, que se coloque fim à peça trágica do absurdo que ameaça a todos.