Há uma instituição fundamental para a solução dos litígios em matéria de tributos federais entre o Fisco e os contribuintes.
Trata-se do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, já septuagenário, instituído em 1931, que aprecia em grau de recurso essas pendências tributárias e as decisões finais favoráveis aos contribuintes são de execução compulsória pela administração tributária, desonerando-os dos encargos que lhes tivessem sido exigidos pelo Fisco. (art. 45 do Decreto n.º 70.235/72). Em termos mais claros: decidida a questão a favor do contribuinte, pelo Conselho em caráter final, cumpre à administração observá-la, não podendo mais modificá-la seja no âmbito administrativo ou judicial.
Na gestão do presidente Lula da Silva tentou-se via parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional modificar essa regra basilar. Procurou-se criar novo recurso administrativo da Fazenda Nacional para o Ministro da Fazenda, quando a decisão fosse benéfica ao contribuinte. Essa tentativa foi bloqueada, por ser ilegal, pelo Superior Tribunal de Justiça. Mais recentemente procura-se, com base em outro parecer aprovado pelo ministro da Fazenda, anular, no Judiciário, decisões finais favoráveis ao contribuinte, proferidas pelo Conselho de Contribuintes. Essas decisões do Conselho de Contribuinte são pautadas pelo respeito à lei e ao direito, guias fundamentais em matéria tributária, por força do princípio da legalidade.
No fim de 2004, foi editada a Medida Provisória n.º 232, que, entre outras inconstitucionalidades, consagrou a redução da competência do Conselho de Contribuintes, criando instância única para certas matérias e estabelecendo restrições à garantia constitucional da ampla defesa e do devido processo administrativo. A OAB/Nacional reagiu a tal medida provisória e a conseqüência foi a desistência, pelo Poder Executivo, de lutar pela sua aprovação, substituindo-a por outra, escoimada das inconstitucinalidades.
Agora, no bojo da Medida Provisória n.º 252, de 15 de junho de 2005, no art. 68, renova-se a persistente tentativa de garroteamento dos direitos do cidadão-contribuinte e realiza-se o desvirtuamento da missão, composição e funcionamento do citado Conselho. Em plena renovação do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n.º 45, abastarda-se o Conselho de Contribuintes, dando-lhe feição de tribunal administrativo de exceção, pelas modificações estabelecidas.
É que se possibilita ao ministro da Fazenda instituir Turmas Especiais, para julgamento dos litígios em que ele definirá o valor e a matéria a ser examinada, compostas por 4 conselheiros, 3 dos quais suplentes das Câmaras lá existentes. O Conselho de Contribuintes, em verdade são três, especializados por matéria, compostos por Câmaras, integradas a cada uma por 8 conselheiros, em composição paritária 4 do Fisco e 4 dos Contribuintes.
Ao se autorizar o ministro da Fazenda a criar Turmas Especiais, compostas por 4 julgadores, sendo 3 suplentes de outras Câmaras, foge-se à estrutura padrão da composição do Conselho. Propiciar a tal autoridade estabelecer a natureza dos recursos a serem julgados por elas e a que valor, dando-lhe mandatos temporários, e, portanto, precários, constitui uma exceção a sua regra fundamental de estruturação, competência e jurisdição. A cláusula do devido processo legal e administrativo exige, por força do princípio da igualdade, o mesmo tratamento processial e principalmente de julgamento, a todos os recursos que sejam encaminhados a essa instituição. O poder discriminatório conferido, por tal dispositivo, ao ministro da Fazenda, parte interessada nas questões, representa retrocesso institucional, inadmissível em sociedades democráticas, contrastando com o que está ocorrendo no âmbito do Poder Judiciário, submetido à profunda reforma para melhorar seu funcionamento.
Se o objetivo é tornar mais ágil o Conselho de Contribuintes, nos julgamentos dos recursos, que se criem mais Câmaras, permanentes ou temporárias, respeitando-se, entretanto, a regra geral existente sem violar a sua estruturação e competência.
Governo democrático que se preze deve abolir o autoritarismo dos comissários. O muro de Berlim ruiu há muito tempo. A União Soviética também. O ideal de justiça, imanente ao Estado de Direito, repudia tribunais de exceção.
Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-secretário da Receita Federal.
osirisfilho@azevedolopes.adv.br
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