As sondagens de opinião não deixam dúvidas: o presidente Lula está pagando o preço da complacência. A queda livre da sua eventual candidatura à reeleição não se relaciona com os juros altos ou ineficiência administrativa. Lula, o imbatível de dois anos atrás, está sendo batido em seus bastiões porque está condescendendo com a corrupção, com o mensalão e o valerioduto.
Quando candidato, o presidente Lula se agigantava ao condenar "tudo isso aí", agora ele próprio passou a encarnar esta descomunal e abrangente entidade não como cúmplice mas como magistrado indulgente. O que, para alguns, pode significar a mesma coisa.
"Tudo isso aí" neste final de 2005 é uma figura tão indecorosa quanto as injustiças que representava em 2002. A única diferença é a troca de protagonistas. No emocionado repúdio às "infâmias" diante dos oficiais-generais na quinta-feira, o presidente Lula entrou para um time cujo craque maior sempre foi Paulo Maluf.
Cara-de-pau é o marido flagrado em adultério que jura inocência, é o coronel matreiro que prega a revolução social para disfarçar os milhões que desviou do erário ou um partido como PL que no horário eleitoral reclama contra a impunidade imaginando que o eleitor esqueceu que o próprio presidente da agremiação renunciou para não ser cassado e o vice-presidente da República (quando pertencia aos seus quadros) aceitou receber dinheiros suspeitos numa gigantesca compra de camisetas.
Lula, símbolo da integridade e da transparência, está sendo levado para a ala dos cara-de-pau, expressão que os filólogos colocam entre o cinismo e a imprudência. E está sendo punido nestas prévias não porque tropeça na gramática ou tornou-se parceiro de Hugo Chávez, mas porque mandou os deputados do seu partido votar pela absolvição de um corrupto, o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) que recebeu entre 350 e 450 mil do valerioduto e finge que era reforço para as despesas de campanha.
O presidente Lula está vacilando há mais de um semestre e o eleitorado já o percebeu. Não se trata de perplexidade passageira nem de hesitação menor. Primeiro o governo prestou solidariedade ao então aliado Roberto Jefferson, depois o presidente admitiu que foi traído por alguns companheiros, agora adotou o modelo dos três macaquinhos indianos que nada viram, nada ouviram e nada cheiram. Segundo ele, o atual "tudo isso aí" é uma invenção da mídia e das elites conservadoras. Sendo assim, não existe.
Existe e está mandando insistentes recados através das sondagens eleitorais. Os resultados apresentados nos últimos dias pelo Ibope e Datafolha são flagrantes momentâneos, podem ser revertidos, mas têm a ver com a questão moral que primeira vez na história deste país galvaniza a sociedade inteira.
Ao longo de alguns séculos vivemos felizes, alegres e resignados com a hipótese de que não existe pecado abaixo do Equador. Agora os eleitores ouvidos pelos institutos de opinião pública perceberam a sua tenebrosa dimensão e estão dizendo que querem acabar com "tudo isso aí". E sabem o que isso significa.
Convém atendê-los porque, ao proteger notórios culpados, o presidente está prejudicando companheiros como Aloísio Mercadante e Marta Suplicy que nas mesmas pesquisas estão sendo ultrapassados pela figura de Orestes Quércia que só assim consegue escapar das vitrines do museu de cera.
O presidente Lula tem todas as condições de reconquistar a confiança dos eleitores se abandonar a desfaçatez sugerida pelo grupo de assessores que agora comanda a sua estratégia. Por amor ao partido que ajudou a fundar, é admissível que não se sinta obrigado a dar nome aos que o traíram mas por amor à decência que sempre encarnou não pode continuar manobrando para impedir as punições exigidas pela sociedade a todos grandes ou pequenos beneficiados pelo escandaloso valerioduto.
A figura vaga, abstrata e imponderável do "tudo isso aí" ganha agora contornos muito nítidos. Tudo indica que será novamente derrotada.
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