Muito já se falou nos últimos sete anos do mensalão, tido e havido como o maior escândalo de que se tem notícia na vida política do Brasil. Desde a sua eclosão, em 2005, o caso revelou-se, pelas evidências levantadas, uma sofisticada engenharia financeira engendrada por membros da cúpula do PT para desviar dinheiro público. Como objetivo maior, a compra de parlamentares da base aliada para assegurar irrestrito apoio ao governo Lula em seu primeiro mandato.
A partir desta quinta-feira, uma página importante da história republicana brasileira começa a ser escrita com o início do julgamento do escândalo pelo Supremo Tribunal Federal. Ao longo de mais de um mês, os ministros da mais alta corte de Justiça do país, o procurador-geral da República e alguns dos mais respeitados (e caros) advogados contratados pelos acusados irão travar uma batalha jurídica de interesse fundamental para o país. No cerne da questão está a denúncia da Procuradoria da República de que uma sofisticada organização criminosa se instalou na cúpula do governo lulista. Os crimes a ela imputados vão desde peculato e lavagem de dinheiro até corrupção ativa e passiva, evasão de divisas, gestão fraudulenta e formação de quadrilha.
Como mentor do golpe é apontado o outrora todo-poderoso ministro da Casa Civil José Dirceu; o grupo formado por dirigentes de partidos políticos, empresários, banqueiros e publicitários teria sangrado os cofres do governo em mais de R$ 100 milhões. Como forma de dificultar o rastreamento do dinheiro, os operadores do esquema teriam se utilizado de doleiros, paraísos fiscais, agências de publicidade, licitações dirigidas e empréstimos bancários. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em documento enviado aos ministros do STF, considera que o mensalão foi "o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público já flagrado no Brasil". Por tudo isso, Dirceu e mais 37 réus começam a ter os seus destinos decididos a partir de hoje pelos ministros do STF, culminando um processo que já rendeu um calhamaço de 50 mil páginas, 500 apensos e mais de 600 testemunhas arroladas.
Aqui é preciso destacar que entre os que decidirão o destino dos chamados mensaleiros deverá estar o ministro José Antônio Dias Toffoli. No domingo passado, neste mesmo espaço, a Gazeta do Povo apresentou diversas razões pelas quais Toffoli deveria se declarar impedido de julgar o mensalão: entre elas estão suas relações passadas não apenas com o PT (do qual o ministro foi advogado), mas também com os réus Toffoli já foi assessor jurídico da Casa Civil sob José Dirceu, e sua namorada foi advogada de três dos acusados. A eventual participação de Toffoli, praticamente confirmada por fontes próximas ao ministro, será uma demonstração definitiva do legado do lulo-petismo ao Brasil: o desprezo pelas instituições democráticas em nome de interesses particulares.
Mais importante que a punição exemplar dos implicados na trama do mensalão é o que o veredicto poderá representar para o futuro do país. O banimento de políticos do naipe de José Dirceu, Delúbio Soares, Valdemar Costa Neto, José Genoíno, Roberto Jefferson e João Paulo Cunha, para citar apenas alguns dos principais envolvidos, poderá se constituir em um divisor de águas na vida pública nacional. Somam-se a eles outras notórias figuras, como os publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça, que ao lado de empresários e diretores de instituições bancárias colaboraram diretamente para a materialização do mensalão.
Não é de hoje que o Estado brasileiro é corroído pela praga da corrupção, alimentada em boa parte pela impunidade que acaba servindo de incentivo às práticas ilícitas cometidas por quem deveria primeiro zelar pelo bem público. Por tudo isso, o julgamento que começa hoje abre a perspectiva de um novo patamar na política brasileira: a punição exemplar dos culpados sinalizará que as velhas práticas de se servir do bem público para fins privados podem, sim, ser combatidas e extirpadas; em contrapartida, desprezar a profusão de evidências que atestam a veracidade das práticas delituosas do mensalão, com a consequente absolvição dos réus, representará a vitória do modelo viciado que aí está; modelo que se sustenta apenas para atender aos interesses nem sempre claros dos donatários do poder e que acabam recheando de escândalos as manchetes dos noticiários quase que diariamente. A decisão a ser tomada pelos ministros do STF sinalizará qual caminho será trilhado pelo país.
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