Os altos índices de civilização e modernidade que em tantas áreas o Paraná se destaca não se reproduzem num quesito em que a preservação da vida humana seria o seu mais precioso fruto. Referimo-nos à questão dos transplantes de órgãos cujas estatísticas, em nosso estado, vêm apresentando preocupantes níveis de queda por falta de doadores. Somente nos primeiros seis meses deste ano, o número de pacientes beneficiados caiu 16,5% em relação ao mesmo período do ano passado. A situação assume contornos ainda mais graves quando se recorda que, historicamente, a média paranaense de identificação de potenciais doadores é também inferior à média nacional. Segundo a ampla reportagem que publicamos em nossa edição de ontem, apenas 5,2% dos pacientes que sofreram morte encefálica no Paraná tiveram órgãos aproveitados, enquanto que a média brasileira situa-se em 7,3%.
Por conta desse quadro, a fila de espera por um transplante cresceu em quase mil casos no período, passando de pouco mais de 3 mil no fim de 2004 para 4.273 em junho último. Um crescimento trágico, pois cerca de 40% dos pacientes que se encontram na fila morrem antes de se encontrar doadores compatíveis que lhes possibilitem a cirurgia. Da fila de transplante de rim, por exemplo, apenas 20% chegam a receber o órgão e, no caso do coração, somente 7,5%. Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos apontam, ainda, que apenas 22,5% dos paranaenses se dizem doadores, quando o índice ideal para garantir equilíbrio na oferta de órgãos é de 35%.
Urge corrigir esta situação. As causas já foram bem identificadas pelas autoridades da Saúde Pública, mas as medidas necessárias para a superação do problema ainda se encontram paralisadas ou caminham lentamente nas esferas burocráticas. Contam muito também o despreparo tecnológico dos hospitais e a inércia de muitas equipes médicas, assim como a enorme resistência de grande parte das famílias em permitir que parentes mortos ou que apresentem morte encefálica sejam objeto de retirada de órgãos para fins de transplante.
De um lado, há, portanto, obstáculos de ordem subjetiva, de consciência, contra os quais somente o tempo e muitas campanhas de esclarecimento poderão resolver. De outro, porém, recomendam-se providências encontradas na própria legislação que regulamenta a prática médica dos transplantes no Brasil. E a primeira delas é identificar as razões pelas quais muitos hospitais que não estão cumprindo a lei que os obriga a notificar os casos de potenciais doadores, punindo-os, se for o caso, até mesmo com o descredenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) ou com a supressão de repasses de verbas oficiais.
Há que se levar em conta, porém, que grande parte dos hospitais públicos não está aparelhada para a retirada de órgãos e nem para cirurgias de transplante. Não há treinamento suficiente nem condições materiais para o reconhecimento e a preservação de doadores de órgãos; faltam vagas e motivação para as equipes das UTIs; há poucos hospitais credenciados (apenas 30 dentre os 531 existentes no estado); não há formação e financiamento para equipes de resgate e distribuição de órgãos; falta articulação entre as centrais municipais e regionais de transplante; sequer é ainda obrigatória a imunobiologia, a patologia e a clínica-cirúrgica dos transplantes na grade curricular das escolas médicas.
Portanto, tanto quanto medidas punitivas contra eventuais descasos observados no âmbito médico-hospitalar, deve também o setor público investir na correção dos muitos outros motivos que estão incidindo na baixa aplicação do procedimento no Paraná. A renovação das campanhas de conscientização da população é uma dessas providências inadiáveis.