50 anos atrás, o grande estudioso do fenômeno religioso Mircea Eliade observou que se estava na etapa inicial de um novo tipo de "religião", baseada no secularismo radical, sem Deus ou deuses. Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

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No paganismo clássico, os deuses são homens aumentados, inclusive em seus defeitos: Mercúrio, Loki ou Exu não são companhias agradáveis, por mais que com eles seja possível negociar. Nesta nova "religião", no entanto, o homem não é aumentado; ao contrário, suas funções fisiológicas e prazeres sensíveis tornam-se o objeto do culto. Busca-se a saciedade, não a perfeição.

Como observava Chesterton, contudo, quem não acredita em Deus acaba acreditando em qualquer besteira. Raros são os que conseguem se manter puros e duros nesta secularização radical; dentre os que tentam, quase sempre surgem fetiches – pensamento positivo, meias da sorte, bonequinhos do sucesso – para saciar a sede natural de um sagrado.

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O resultado é uma "religião" que já nasce em crise e, apesar de ter atingido a quase unanimidade do discurso público – especialmente no Brasil, onde não é de bom tom retrucar à autoridade –, comporta-se como religião em decadência. Assim como no fim do Império Romano os cristãos foram atirados aos leões e após a Idade Média "bruxas" foram queimadas, hoje é atacado quem ouse divergir dos dogmas secularistas do momento.

Toleram-se, a contragosto, os parachoques de caminhão com suas frases religiosas e folcloriza-se esta ou aquela festa de padroeiro, mas sempre com uma visão paternalista, que percebe os pobres como ignorantes que ainda não acederam aos impolutos dogmas secularistas. Se, no entanto, o discurso político ou público não se atém à mais perfeita ortodoxia secularista, acendem-se as fogueiras, soltam-se os leões.

Vamos ver quanto tempo isso ainda dura.

Em tempo:

A grita levantada por alguns grupos de pressão contra a minha coluna da semana passada, em favor da adoção por famílias tradicionais, fez com que infelizmente alguns percebessem como ofensivas menções a certos grupos, como os professores, as famílias adotantes e as crianças vítimas de abusos ou bullying. Quem me lê sempre sabe da minha admiração pelos heróis e heroínas do magistério e da minha constante acusação contra qualquer forma de covardia e boçalidade. É em defesa dessas vítimas que sempre levanto a minha voz. Lamento e peço desculpas por qualquer mal-entendido.

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