O presidente Lula da Silva atribuiu as desventuras de seu governo a uma carga inédita de urucubaca. Trata-se de velha tradição nacional, colocar a culpa de nossos problemas na má sorte, no olho gordo dos inimigos, nas mandingas e feitiços armados pelos despeitados. Em matéria de mandingas, patuás e olhos gordos, razão tinha o lendário filósofo futebolista Neném Prancha, sempre citado por João Saldanha: se macumba decidisse jogos, o campeonato baiano acabaria empatado.

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Mas de que urucubaca ele está falando? O único azar que atingiu os protagonistas dessa já crônica crise ética e moral da vida política brasileira foi ter sido pegos e se depararem com um mau humor inédito na opinião pública que não parece disposta a aceitar a lambança toda como uma recorrente fatalidade cultural e histórica de nosso país. Urucubaca temos nós, eleitores, que vivemos de esperança em esperança de que, finalmente, a elite política brasileira esteja disposta a dar um passo à frente em termos de respeito ao eleitor e de modernidade institucional, apenas para viver novas decepções.

Na realidade, Lula tem sido bafejado desde o início de seu governo por uma sorte assombrosa.

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Azar tiveram Fernando Henrique, Pedro Malan, Gustavo Loyola, Gustavo Franco e os outros gênios da "equipe econômica" que fizeram no passado recente exatamente o que Antônio Palocci está fazendo agora: estrangulando a economia real com juros escorchantes que fazem a delícia do setor financeiro nacional e dos capitalistas internacionais; aumentando a carga fiscal sem dó nem piedade; assistindo impávidos à destruição progressiva da infra-estrutura pública do país, com as estradas em petição de miséria, o setor energético caminhando para um apagão por falta de decisões e de investimentos; os portos desatualizados e ineficientes; os hospitais públicos falidos e as universidades em marcha batida para o sucateamento humano e material.

A diferença é que a turma de FHC abriu a caixa de ferramentas de maldades e deu quase tudo errado: a inflação recrudesceu, a economia brasileira praticamente estagnou durante vários anos, o país foi obrigado a correr para o FMI, pois estava virtualmente quebrado nos mercados financeiros internacionais, o dólar disparou e chegou aos quatro reais, o risco Brasil atingiu 2.400 pontos, o que significa que um empréstimo concedido a uma empresa ou ao governo brasileiro custaria na época 24% de juros anuais a mais do que o governo americano pagaria pelo mesmo dinheiro. Muitos dos problemas que enfrentaram foram gestados por suas próprias decisões equivocadas, mas é justo dizer que alguns dos problemas mais sérios não foram criados por eles próprios: as crises do México, da Rússia e dos países asiáticos provocaram repercussões no Brasil e compuseram quadros de crises de grande monta. O fato do FMI e dos banqueiros jurarem que o Brasil estava no caminho certo não consolava muito pois os resultados mostrarem o contrário.

Palocci e Henrique Meirelles não fecharam a caixa de ferramentas de maldades nem mudaram um jota nas políticas de seus antecessores mas as circunstâncias os ajudaram e os resultados foram bem diversos: O mundo, apesar dos desastres naturais, vive um momento de enorme expansão econômica e está inundado de liquidez, com o dinheiro procurando abrigos lucrativos mundo afora. O Brasil vem se beneficiando da demanda mundial por matérias-primas, commodities agrícolas, produtos de baixa ou média sofisticação e de uma conjuntura de preços internacionais favoráveis. A inflação caiu, o país acumula superavits comerciais internacionais recordes apesar do dólar ter caído ao nível de quatro anos atrás; o risco Brasil caiu para 370 pontos (3,7%), o crescimento da economia é medíocre mas é positivo, o desemprego foi reduzido. O duro é que o governo Lula vem tratando a sorte a pontapés com um festival de incompetência que acabou por contagiar uma das poucas áreas eficazes do governo, a que gerencia a agroindústria brasileira, a ponto de deixar a aftosa reaparecer no país e fechar o mercado da carne no qual, a muito custo, conseguimos assumir uma posição de liderança depois de décadas de luta e de investimentos.

Urucubaca tem o Presidente Bush que já no começo de seu governo viu impotente vinte fanáticos atacar Nova Iorque e humilhar o poderio norte-americano destruindo os símbolos mais importantes da hegemonia econômica, financeira e militar do país. Urucubaca tiveram os norte-americanos que, a partir daí, perderam para todo o sempre o sentimento de invulnerabilidade de sua própria casa. Urucubaca têm os moradores da Flórida, alojados em apartamentos de alto luxo de frente para o mar e que, em vez de gozar a vida são obrigados a se refugiar na casa dos parentes e nos abrigos do governo norte-americano três ou quatro vezes por ano.

Falar de azar e de urucubaca num país como o Brasil é um despropósito. Certamente é mais apropriado dizer, como Pascal, que a sorte só ajuda os espíritos preparados para se aproveitar dela.

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