O Brasil, neste novo milênio e século, apresenta uma ambiência peculiar. Aqui, neste território tupiniquim, o revolucionário é cumprir a Constituição. Observá-la na integralidade, sem reservas ou limitações. Esta será a revolução efetiva que algum dia vai ocorrer.
A história universal registra a chegada ao poder nacional, geralmente pela força das armas, de novos dirigentes empolgados por ideologias e concepções contrastantes com as que estavam vigentes. Estabelecem, então, novas regras e princípios e os inscrevem em novo documento, como lei fundamental, definindo outra ordem jurídica, econômica e social, para dar estabilidade e segurança às instituições e às relações jurídicas que serão praticadas. Trata-se de uma virada total e completa de mesa.
Aqui, de tempos em tempos, os representantes do povo votam uma nova Constituição, dispondo sobre a estrutura do Estado, os direitos e garantias individuais e sociais, e as regras e princípios destinados a reger as principais e estratégicas instituições nacionais. Pretende-se que o disposto na Constituição, como lei fundamental, tenha estabilidade e permanência, e seja respeitado e cumprido como regra básica de organização e conduta. Isso não ocorre. Tem baixa eficácia; a sua observância só ocorre quando corresponde aos interesses dos que ocupam o poder no país. Muito do que está escrito nessa lei maior, fundamental, principalmente os seus princípios, não têm força vinculatória efetiva. São letras e palavras que não formam nexo obrigatório a ser cumprido pelos que dispõem de capacidade para zelar pela sua observância.
Quando a matéria é relevante, e os interesses dos titulares do poder não concordam com o previsto na Constituição, ela é emendada para conformar-se às vantagens e proveitos dessa gente e dos seus grupos. Se emendar a Constituição fosse instrumento idôneo para aperfeiçoá-la, a nossa seria das mais perfeitas deste vasto mundo. Nos 17 anos de sua vigência, que vão se completar neste outubro, já foi alterada 54 vezes (seis emendas revisionais e 48 propriamente ditas). As constantes modificações, que a mutilam, dão-lhe a feição de periódico, editado de tempos em tempos, para atualização das novidades.
A Constituição que está aí, promulgada em 1988, é generosa e moderna. Consagra com vigor princípios sábios, básicos à afirmação da nacionalidade e da cidadania e da proteção do cidadãocontribuinte diante da voraz sanha arrecadatória do Estado, em matéria tributária.
Tratando-se de lei fundamental, de índole princípio-lógica, os seus intérpretes, enquistados no poder, dão pouco valor vinculante ao estabelecido pelos princípios, por entendê-los gerais e abstratos, faltando-lhes a sanção específica. Não dão bola para eles, usando a terminologia futebolística do presidente Lulábia da Silva.
Há uma década tem havido, no âmbito do imposto de renda, tanto do aplicável às pessoas físicas, quanto às empresas, fuga indecorosa ao que é consagrado na Constituição. Véspera de eleição geral que ocorrerá em 2006, é hora de tensionar o Poder Executivo e os parlamentares enquistados na Câmara e no Senado, voltando a enfatizar a obrigatoriedade de se observar o princípio básico em assunto tributário o da legalidade. Por ele, somente a lei pode aumentar ou criar tributo. A sua aplicação é plena ao imposto de renda. Ao não se corrigir a tabela dita progressiva, aplicável aos rendimentos do trabalho por índice que corresponda à inflação, está-se elevando a carga tributária da classe trabalhadora e da classe média, sem lei, por manipulação indecente. Idêntico tratamento vergonhoso ocorre com as pessoas jurídicas. A alíquota de 15% é aplicável ao lucro de forma geral. Há um adicional de 10%, quando o lucro for superior anualmente a 200 mil reais. Estagnado esse valor, há uma década, e óbvio que as pequenas e médias empresas vão gradativamente sendo espoliadas por esse adicional, aumentando o montante do imposto de renda, por elas devido.
Os políticos deste país têm amnésia parcial. Esquecem do dever cívico de obedecer à Constituição e de atender aos legítimos direitos do povo. A eleição é época propícia a curá-los dessa doença, posto que desejam ser reeleitos. O primeiro passo é fazê-los ter vergonha na cara, redimindo-se das omissões, para legislar a favor do povo e não da extorsão tributária. E os que se recusarem a fazê-lo devem ser aposentados pelo povo, por incapacidade para representá-lo.
Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-secretário da Receita Federal.
osirisfilho@azevedolopes.adv.br
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