A cientista, pesquisadora e professora dra. Linnyer Beatrys Ruiz Aylon era uma criança de quatro anos quando decidiu que queria enveredar pelo mundo da ciência. Improvável? Na infância em Cianorte, nos anos 1970, ela esperava ansiosamente pelo vendedor de chocolates, que chegava na cidade do noroeste do Paraná com uma Kombi vermelha. Comprava os doces que vinham com uma tag que falava sobre animais. Um dia, se deparou com a história da cadela Laika, primeiro ser vivo ao orbitar o planeta terra no final dos anos 1950. Comovida, perguntou o que era necessário para ir buscar a cachorra - e ouviu que era preciso ser cientista. Cresceu com a ideia fixa na cabeça, assim como a de ter um veículo igual a do viajante e um filho menino. Realizou as três coisas.
Linnyer não conseguiu buscar Laika, mas fez cursos de eletrônica por revistas, montava e desmontava coisas em casa, até vir a Curitiba em 1987 fazer graduação em Engenharia da Computação, na PUC-PR - até então, o curso só existia em faculdades privadas. “Fiz com bolsa de estudos, não tinha nem mala para viajar. Minha mãe tingiu um saco de açúcar, colocou uns babadinhos, e foi assim que levei as minhas coisas pra morar em casa de estudante” rememora. Hoje professora do Departamento de Informática da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e autoridade na área de microeletrônica no Brasil, ela carrega incontáveis títulos, como Diretora da Sociedade Brasileira de Microeletrônica, Conselheira do IEEE WIE (Woman in Engineering, “mulheres na engenharia) e pesquisadora 1 (um dos níveis mais altos) no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Ela lustra uma realidade animadora na UEM: a universidade é a que mais tem cientistas mulheres no Brasil, e a segunda do mundo.
O dado é do levantamento anual Leiden Ranking, feito pelo Centro de Estudos da Ciência e Tecnologia da universidade de Leiden, na Holanda. Em 2019, foi a primeira vez que a instituição realizou o recorte por gênero da proporção de mulheres e número total de autores de trabalhos científicos. Na UEM, entre os 1.288 trabalhos publicados entre 2014 e 2017, 54% foram de autoria feminina, atrás apenas da Universidade de Lublin, na Polônia, cujo índice é de 56%. As áreas de Física e Engenharia são os destaques. “Esse índice é espetacular. Mostra uma universidade nova, fora do eixo das capitais, com pesquisas de alto impacto. Esse mito de que mulher não tem aptidão para pesquisa cai por terra. O trabalho que desenvolvemos aqui mostra isso. A gente empodera jovens e traz talentos ao país” diz Linnyer, que ouviu de inúmeros professores na escola que cientista não era “coisa de mulher”.
Na família, o seu sonho também não era lá muito aceito: o pai queria que ela cursasse os tradicionais Medicina ou Direito. Ela prestou vestibulares para ser médica, passou, mas escolheu a engenharia, contrariando as expectativas familiares. Na faculdade, estagiou em uma grande multinacional e cresceu rápido na carreira, mas precisou tomar a decisão de sair da engenharia de empresa para a ciência. No doutorado na Universidade Federal de Minhas Gerais (UFMG), iniciou pesquisas internacionais. Sua trajetória já lhe rendeu prêmios como o recebido em 2013, o IEEE Women in Engineering, entregue pelo Institute of Eletrical and Eletronics Engineers, por sua contribuição na área de sistemas de computação no mundo.
Por acaso
Ao contrário de Linnyer, a diretora de pós-graduação da UEM, Marcia Edilaine Lopes Consolaro, não pensava nem em fazer mestrado quando se graduou (também pela universidade de Maringá) em Farmácia Bioquímica. Foi a primeira bolsista de iniciação científica do curso, mas seu objetivo era se formar e trabalhar em um laboratório de análises clínicas, o que ela fez por um curto período. Porém, a rotina e as atividades a desagradaram; ela sentia falta de pesquisar. “Sempre fui muito estudiosa, e me incomodou o fato de não ler mais nada até do trabalho. Fiz mestrado em biologia celular e engatilhei em uma área que eu jamais pensava”conta ela, que se diz encantada pela docência. O pai a incentivou a se graduar: queria que as filhas estudassem para não depender financeiramente de seus maridos. No entanto, ser doutora é algo que ainda foge do entendimento da família. “Vai ser doutor, mas vai ser médico?”é uma das perguntas que ela recebia com frequência dos parentes.
As Doenças Sexualmente Transmissíveis são o tema principal das pesquisas de Marcia, que tem três artigos na Revista Nature, publicação científica britânica reconhecida como uma das mais relevantes do mundo. Foi a cientista uma das precursoras na investigação sobre a transmissão do zika vírus via sêmen e secreção vaginal, iniciada em 2016. “Conseguimos o primeiro caso da América Latina” conta ela, que terminou o seu doutorado em um tempo recorde (dois anos - o prazo para o pesquisador finalizar é de quatro anos), mesmo período em que foi mãe de Otávio e Gustavo, hoje com 24 e 23 anos.
Outro projeto da cientista tem chances de se tornar política pública junto ao Ministério da Saúde: Marcia vai coordenar, nas cinco regiões do país, uma auto coleta de células do colo de útero para detecção do HPV (Papilomavírus Humano); a infecção pode levar ao câncer de colo de útero. O mecanismo foi desenvolvido na UEM e, com um card e uma escovinha, a mulher consegue, sozinha, fazer a coleta das células, realizada geralmente pelo médico ginecologista (no exame conhecido como papanicolau). “Isso vai eliminar barreiras e tabus, pois muitas mulheres ainda têm vergonha de fazer o exame com o médico, ainda mais se for um homem”. O teste será feito em grupos de mulheres entre 25 e 64 anos, e que não fazem o papanicolau há quatro anos ou mais. “Se virar política pública, vai ser o ápice da minha carreira” comemora.
Para atrair mulheres
Quando engravidou do filho Don, hoje com 12 anos (e que já viajou com a mãe para 34 países do mundo), Linnyer e o marido José Aylon (que ela diz ser o seu grande incentivador na carreira acadêmica) resolveram retornar ao Paraná. Ela decidiu então que começaria a inspirar meninas por meio de sua história, para que elas soubessem que mulheres oriundas de escolas públicas podem, sim, serem cientistas. Deu palestras em Cianorte e fundou o Grupo Manna de Pesquisa e Desenvolvimento em Engenhara de Computação Invisível, que envolve professores e alunos da UEM, e leva os conceitos de robótica e internet das coisas para 10 municípios do Paraná, além de atividades em São Paulo e Brasília. “Com esse apoio a evasão diminui, os estudantes começam a ter o objetivo de ir à universidade, não vira algo inalcançável” ressalta a pesquisadora.
Outra política implementada na UEM foi um pedido à reitoria para que as professoras que voltassem de licença-maternidade tivessem a extensão de um ano no julgamento de seus currículos lattes - as pontuações, que vem de artigos e participação em eventos científicos, são importantes para que os cursos de mestrado e doutorado aumentem as suas notas e atraiam mais recursos e bolsas de estudo. “Muitas vezes a licença fazia com que as professoras perdessem alunos bolsistas. É uma forma de garantir uma equidade de gênero para as professoras”acredita Linnyer. Hoje, as docentes da universidade representam 48% da equipe.
A localização também é um fator decisivo para atrair as mulheres para a pesquisa. Muitas não têm condições de viver em capitais. Ter uma universidade no interior, perto de casa, é um facilitador, frisa Linnyer. “É um ecossistema que permite que as mulheres estudem. Mesmo sendo donas de casa, por exemplo, elas conseguem alavancar uma carreira, porque a universidade está perto. Muitos dos nossos alunos vêm todos cidades do entorno, como Jussara e Tamboara, para estudar na UEM”.
Valorização da profissão
Mesmo felizes com o resultado do ranking e com o interesse crescente das mulheres pela pesquisa, a falta de reconhecimento da profissão de cientista é algo que incomoda ambas pesquisadoras. “Um jogador de futebol ganha rios de dinheiro. Nós fazemos descobertas importantes e ninguém valoriza. Isso é o que mais me incomoda de ser cientista no Brasil. Estamos vivendo um desprestígio da profissão, em que se enxerga o cientista ou como louco ou o folgado que gasta dinheiro a toa”, enfatiza Marcia. Para ela, a junção de mulheres competentes criou o polo da UEM, mas a cientista acha que as explicações sobre o que é fazer ciência deveriam ser contempladas no currículo escolar, logo no ensino básico. “Falta mostrar a profissão no país. Por isso, tento ser inspiradora para as minhas alunas, passar minha paixão pela pesquisa”.
Linnyer chega a fazer reuniões com os pais de universitárias que não querem as filhas na engenharia, por considerarem um ambiente masculino. “A sociedade não enxerga a carreira e muitas vezes os pais e maridos não entendem que essa profissão é possível. Por isso mostro minha trajetória e de mulheres incríveis e prováveis que romperam barreiras”. As críticas (de que trabalha muito, que cuida pouco da família, etc), frisa ela, sempre existirão. “Tem horas que é doloroso. O melhor caminho é não ligar e seguir. Nós mulheres precisamos ter coragem de sermos imperfeitas, e não ter vergonha de nos mostrarmos, de assumirmos a nossa competência".
Desafios
Em todo o Brasil, nos em níveis altos da hierarquia da pesquisa, entre os 112 pesquisadores sênior, apenas 27 são mulheres; a categoria é reservada ao pesquisador líder em sua área de atuação e destaque entre seus pares. Os homens também ficam com a maior parte - R$ 110,7 milhões - das bolsas de produtividade do CNPQ. As cientistas mulheres receberam metade da verba, R$ 57,6 milhões. A bolsa é destinada a doutores que tenham excelente desempenho em investigação.
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