A mudança na política de privatizações imposta pelo governo Lula trouxe de volta a insegurança jurídica aos investidores, colocou em risco acordos comerciais e até contratos assinados podem ser judicializados, motivados por questões ideológicas e partidárias.
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Nem as concessões estaduais escapam dos entraves políticos pela nova postura do governo federal. A assembleia geral que reformou o estatuto da Companhia Paraense de Energia (Copel), no último dia 10, e possibilita a transformação da estatal paranaense em corporação, só aconteceu após o Supremo Tribunal Federal (STF) negar o pedido petista de suspensão da reunião, que, com anuência da maioria dos acionistas, deu mais um passo rumo à desestatização.
Mas o processo de privatização da Copel ainda deve passar pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que tem até o início de agosto para avaliar a pauta sobre o bônus de outorga pela renovação de concessões de usinas hidrelétricas, adiada após pedido de vista.
Se o roteiro for o mesmo no estado vizinho de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) também deve enfrentar obstáculos semelhantes ao do chefe do Executivo paranaense, Ratinho Júnior (PSD-PR), na privatização da Companhia de Saneamento de São Paulo (Sabesp). Ambos foram eleitos com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e prometem dar continuidade à política de privatizações nos estados, o que entra em rota de colisão com o projeto do governo Lula, defensor da intervenção das estatais na economia.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e fundador da CBIE Advisory, Pedro Rodrigues, lembra que os processos de privatizações nas concessões estaduais ocorrem independente do governo federal, mas interferências ainda podem acontecer, como na assembleia da Copel, onde o BNDES Participações (BNDESPar), sócio minoritário com 24% do capital, foi contrário à reforma do estatuto. “Não prejudica 100% o processo de privatização, mas tira os valores dos papéis”, resume o diretor do CBIE ao comentar a desvalorização das ações.
Termo de Compromisso assinado e ignorado pela Petrobras
Rodrigues ressalta que mudanças drásticas em processos já em andamento provocam “quebra de confiança” e passam “insegurança jurídica” aos investidores interessados em colocar dinheiro no país, que pode resultar na fuga do capital. Ele lembra que, em 2019, a Petrobras assinou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com a previsão de venda de 8 refinarias. Neste ano, com a nova gestão da estatal e as alterações do governo, o acordo de privatizações assinado passou a ser revisto.
“No caso das refinarias, a Petrobras tinha o compromisso com o Cade de vender 50% da capacidade de refino. Agora, está revendo o compromisso. O fato é que uma refinaria foi vendida e esse investidor não tem certeza que a Petrobras vai continuar com a venda desses ativos. É o mercado do 'eu sozinho'. Só tem ele com uma grande capacidade refinando e a Petrobras mudando a política de preços. Isso é ruim para o investidor e afasta outros investidores futuros”, analisa.
No Paraná, a Repar - Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, estava na lista de unidades que seriam vendidas para o setor privado, mas a tendência é que a desestatização não seja iniciada. “É um compromisso com embasamento técnico assinado com um órgão de Estado, pois o Cade é isso, e não um órgão de governo. A falta de segurança jurídica e de previsibilidade é um grande problema”, acrescenta Rodrigues.
Já a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), em São Mateus do Sul, também no Paraná, foi vendida para o grupo Forbes & Manhattan em novembro do ano passado, mas o processo de transição das operações foi paralisado após divergências contratuais entre a Petrobras e a empresa Paraná Xisto.
Interferência política e judicialização do mercado
Advogado especialista em direito societário e mercado de capitais Pedro Henrique Vasconcellos alerta que, apesar do governo federal não ter poder para impedir privatizações de empresas estaduais, ele ainda pode interferir, indiretamente, dentro da arena política. “Pode ocorrer uma ação no STF questionando essa situação e acaba, bem ou mal, jogando para uma arena política que o governo federal tem mais penetração”, avalia.
Na esfera jurídica, Vasconcellos esclarece que a partir do momento que existe um edital sem questionamentos e depois um contrato assinado, teoricamente, não é possível “voltar atrás”, mas ainda se corre um risco por causa da postura política e pela atuação do Judiciário. “Infelizmente no Brasil existe o hábito de judicializar tudo. Então, por mais que tenha um contrato assinado, dependendo do magistrado que se encontrar lá na frente, ele pode suspender, retardar ou desfazer o que foi feito”, avalia o advogado, lembrando das tentativas de retrocesso na privatização da Eletrobras, cogitada na troca de comando no governo federal.
Na análise do especialista, a inconstância política e a judicialização influenciam as altas e baixas no mercado de ações e reforçam a insegurança dos investidores na economia brasileira.
“Normalmente, tem uma disparada na cotação quando existe um movimento no sentido de privatizar uma empresa, pois se compreende que a administração privada é mais eficiente e que a ingerência política não vai acontecer. Mas, quando além da interferência política, ainda está sujeito a ingerência do Judiciário, isso é terrível. O investidor estrangeiro vai preferir olhar de longe, de fora, até que tudo se consolide para poder entrar. O país precisa de investidor estrangeiro, entendendo que quando aparece uma oportunidade, ele pode vir direto”, afirma.
Vasconcellos lembra que as empresas fazem investimentos após a sinalização de um governo sobre o processo de desestatização publicado em editais, como contratações de advogados, analistas de regulação e exposição do ambiente corporativo ao mercado estrangeiro. “Isso não é simples, precisa atender uma série de regulações e quando tudo muda ao bel-prazer, provoca interferências e ruídos internos dentro da empresa”, pondera.
Setor privado mais eficiente na prestação dos serviços
No último dia 14, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) concluiu a primeira Parceria Público Privada (PPP) com leilão na Bolsa de Valores em São Paulo, a B3. Ao todo, 16 cidades terão os serviços de esgoto prestados pelo setor privado após as licitações com investimentos acima de R$ 1 bilhão. As PPPs e as concessões estão previstas no Marco Legal do Saneamento que tem o objetivo de universalizar o acesso à agua tratada e ao serviço de esgoto no país com metas até 2033, sendo fundamental o investimento privado no setor.
Diretor do CBIE, Pedro Rodrigues ressaltou que o Brasil caminha em direção ao “ambiente favorável” para que as empresas assumam serviços públicos como fornecimento de energia elétrica, água e gás. “A partir do momento que existe uma regulação forte, pessoas que trabalham nessas áreas de maneira mais técnica, como órgãos de Estado e não órgãos de governo, isso tudo traz um ambiente favorável para privatização dos serviços, pois não adianta fazer esse processo sem uma regulação adequada, tirando o monopólio estatal e entregando desregulado para uma empresa privada”, opina.
Com a privatização desses serviços, Rodrigues aponta que o Estado pode redirecionar os recursos para investimentos sociais, se tiver uma regulação transparente dos agentes privados, que possuem mais capacidade de investimento nos setores desestatizados.
“Até por questões inerentes ao Estado, ele acaba sendo mais ineficiente do que o privado, pois lida com dinheiro de todos. Com maturidade jurídica e na regulação não faz sentido que os serviços permaneçam com o Estado”, ressalta.
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