A Fazenda Pau Furado, localizada no município de Teixeira Soares, região dos Campos Gerais do Paraná, inaugurou um novo jeito de comercializar a produção de soja. Agora, não apenas o grão colhido é vendido, mas também os créditos sustentáveis dessa lavoura. E esse mercado é internacional.
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Fabiano Gomes, um dos proprietários da fazenda, que mantém em sociedade com os irmãos Luciano e Larissa, conta que vendeu os créditos, por meio de comércio eletrônico, para empresas da Dinamarca e da Alemanha, no começo do ano. A negociação foi feita pela Cooperativa Frísia, da qual Gomes é cooperado e que mantém um programa voltado à sustentabilidade das propriedades.
Foram vendidos 2.281 créditos. Parte dos créditos foram adquiridos pela empresa dinamarquesa, que pagou US$ 2,50 cada crédito (equivalente a uma tonelada de soja) e a outra parte foi comprada pela empresa alemã, por US$ 2,80 cada crédito.
“Não foi pelo valor, que não é tão significativo, mas pela satisfação de estar contribuindo para uma agricultura sustentável, para a qualidade de vida dos nossos funcionários e da nossa comunidade e pelo meio ambiente”, declara o agricultor, que tem formação em Agronomia. Segundo ele, o valor que recebeu pela venda dos créditos equivale a 7% do valor total da soja. Remunerado por esse diferencial, Gomes acredita que, em pouco tempo, o produto cultivado de forma sustentável passará a ser uma exigência. “Quando isso acontecer, quem não estiver produzindo adequadamente poderá ficar de fora do mercado”, alerta.
O mercado de soja sustentável
O mercado de soja sustentável é uma novidade. Quem compra esses créditos são empresas que, de alguma forma, trabalham com soja, seja indústria ou comércio. Elas compram a soja para processamento ou venda de diferentes mercados e não necessariamente a soja adquirida é cultivada de forma sustentável. Em contrapartida, apoiam produtores que mantêm boas práticas da produção da "soja responsável", como chamam, comprando créditos desse produto.
Os créditos são disponibilizados em uma plataforma online internacional. No caso de Fabiano Gomes, da Fazenda Pau Furado, foram disponibilizados em 28 de dezembro e, duas semanas depois, comercializados.
A venda dos créditos de soja sustentável só foi possível porque a fazenda paranaense conquistou a certificação internacional RTRS (responsible soy, ou soja responsável). “Para conseguir essa certificação, a fazenda passou por auditorias realizadas por organismos internacionais, que avaliam 108 requisitos”, conta Cid Sanches, consultor externo no Brasil da Round Table Responsible Soy Association (RTRS), ou Associação Internacional da Soja Responsável.
Segundo Sanches, entre as questões auditadas estão as relações trabalhistas, a qualidade de vida dos funcionários, o uso de equipamentos de proteção (EPIs), a não existência de conflitos com as comunidades no entorno da fazenda, as boas práticas agrícolas (como o plantio direto, o manejo de pragas e a redução no uso de defensivos) e a destinação adequada de resíduos, o não desmatamento, além, é claro, do respeito a todas as leis vigentes, como a ambiental e a trabalhista, do país.
O consultor explica que ter a certificação traz benefícios como o reconhecimento internacional, o acesso a mercados mais exigentes e conscientes, a maior facilidade de obtenção de crédito nas instituições financeiras e condições especiais na aquisição de máquinas, equipamentos e insumos que alguns fornecedores oferecem. Além disso, o produtor não corre o risco de ser autuado pela justiça ambiental ou trabalhista, já que respeita integralmente a legislação.
A RTRS é uma associação sem fins lucrativos fundada em 2006 em Zurique, na Suíça. Atua praticamente no mundo todo reunindo produtores rurais, traders, indústrias, bancos, comércio e ONGs. “Não é a associação que certifica as fazendas, são organismos internacionais. A RTRS é a guardiã da soja responsável”, compara Sanches. Segundo ele, há cerca de 300 fazendas certificadas no Brasil, a maioria no Mato Grosso e no Maranhão. O Paraná conta com aproximadamente 10 delas.
Certificação de soja sustentável é resultado de anos de trabalho
Para a Fazenda Pau Furado conquistar a certificação foi um longo caminho. Fabiano Gomes conta que a propriedade era do avô, que comprou a área há cerca de 60 anos. “Meu avô era pecuarista, criava gado de corte e, na época, quem se dedicava a essa atividade não tinha muito cuidado com o solo”, relata.
Gomes começou a plantar na fazenda em 2002, em parceria com um tio. “O solo estava muito ruim. Investimos forte na recuperação”, lembra. “Mas a verdadeira revolução começou em 2008, quando eu e meus irmãos herdamos a fazenda do meu avô e assumimos integralmente o negócio”, conta.
Em 2012, os irmãos se associaram à cooperativa Frísia. Embora tivessem conseguido estruturar a fazenda e mantivessem uma gestão eficiente, sentiam que era preciso dar um passo a mais. “A Frísia nos ajudou muito a evoluir”, diz o produtor. Ele conta que conheceu o projeto da cooperativa e percebeu que era o que faltava. “Apesar de já termos um bom nível de organização, com a Frísia subimos alguns degraus”.
Programa Fazenda Sustentável
Jean Cesar Andrusko, especialista em Meio Ambiente da Frísia, explica que o objetivo do programa Fazenda Sustentável é agregar valor à produção, tendo em vista que haverá a rastreabilidade e a comprovação da sustentabilidade. “O cooperado não é obrigado a participar, mas, quando ele apresenta interesse, assina um contrato simbólico e começamos a fazer as mentorias, que incluem visita à propriedade, realização de um diagnóstico e criação de plano de ação. O produtor adequa a propriedade na velocidade dele”, explica Andrusko.
O projeto foi “acelerado” com a construção da maltaria em Ponta Grossa (PR), realizado por um grupo de cooperativas, incluindo a Frísia, para a produção nos Campos Gerais.
Uma das exigências das indústrias compradoras do malte é que parte da cevada seja sustentável, ou seja, com os produtores cumprindo uma série de requisitos (ambientais, sociais, trabalhistas e de infraestrutura), que é constituída em cinco níveis.
Cada nível que o produtor cumpre garante uma bonificação. “A Fazenda Sustentável é um guarda-chuva em que todos os programas voltados ao cooperado nas áreas de suíno, bovino e agrícola estarão alocados, como segurança do trabalho, treinamento aos colaboradores, gestão de processos, financeiro e de pessoas, sucessão familiar e certificação”, exemplifica Andrusko.
Segundo ele, tudo começou porque alguns clientes da cooperativa passaram a exigir protocolos de rastreabilidade e determinadas práticas de sustentabilidade agrícola e pecuária dos produtores. A cooperativa começou a sentir necessidade de implantar um programa voltado à agricultura sustentável. Começou em 2016. No ano seguinte, cinco cooperados foram convidados para participar do programa de certificação de soja sustentável, com consultoria de empresas internacionais.
Como resultado desses anos de trabalho, a Frísia adquiriu o conhecimento e desenvolveu o próprio programa de sustentabilidade, o Fazenda Sustentável. O lançamento oficial será no mês de abril, durante a Feira Digital Agro, que acontece paralelamente à Expofrísia, uma das mais importantes feiras de pecuária leiteira do Brasil, em Carambeí, nos Campos Gerais do Paraná, município sede da cooperativa. A produção de leite é uma das principais atividades dos cooperados, que se dedicam também ao cultivo de cereais.
Ocepar incentiva a implantação de ESG na produção
O Sistema Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) informa que o programa Fazenda Sustentável surgiu por iniciativa da própria Frísia, uma das cooperativas do Sistema. A Ocepar incentiva as suas organizações a adotarem práticas relacionadas à ESG (Environmental, social and corporate governance, ou Governança ambiental, social e corporativa) e a estimularem cooperados a produzirem dentro desses preceitos.
“Nos últimos anos temos trabalhado muito com isso”, diz Silvio Krisnki, coordenador da área de desenvolvimento econômico da Ocepar. Ele conta que algumas cooperativas aderiram ao Pacto Global (iniciativa da Organização das Nações Unidas para encorajar empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade). “Grande parte das cooperativas do Paraná exporta parte da sua produção. Se a cooperativa exporta, alguma certificação ela tem que ter”, pontua.
Entre as práticas sustentáveis adotadas pelos cooperados do Paraná estão o plantio direto (plantio sobre a palha da lavoura anterior, sem o revolvimento do solo, preservando os nutrientes e a fertilidade). A técnica está presente em praticamente todas as propriedades vinculadas ao sistema cooperativista do estado. Um dos grandes benefícios dessa forma de cultivo é a recuperação de solos degradados, com a posterior redução ou até eliminação do uso de fertilizantes químicos.
Outra prática sustentável é a produção própria de energia a partir de fontes renováveis, presente em muitas fazendas dos cooperados. Energia solar e energia de biomassa (produzida a partir de resíduos da própria produção agrícola e pecuária) são alguns exemplos.
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