Os dois acessos à Terra Indígena Tekoha Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, no Oeste do Paraná, foram fechados. A decisão foi tomada no sábado (20) pela própria aldeia Ocoy depois da confirmação, na semana passada, de 35 casos de infecção por coronavírus entre os quase 900 indígenas (210 famílias) que vivem lá, da etnia Avá Guarani.
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De acordo com o cacique da Ocoy, Celso Jopoty Alves, os 35 indígenas estão isolados dentro da aldeia - parte do grupo em um colégio e outra parte nas suas próprias casas. Um dos infectados é um bebê de 1 mês e 10 dias. “Eles estão bem. Não tem nenhum caso grave até agora. A gente estava se cuidando, mas o pessoal que trabalha fora continuou tendo que sair da aldeia para trabalhar”, relatou o cacique, durante entrevista à Gazeta do Povo, nesta segunda-feira (22).
O cacique se refere ao grupo de 49 indígenas da Ocoy que trabalham para a Lar Cooperativa Agroindustrial. O primeiro caso confirmado de infecção por coronavírus na aldeia foi de um indígena de 32 anos que trabalhava em um dos frigoríficos da empresa, na cidade de Matelândia.
Por causa das contaminações, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) encaminharam na última sexta-feira (19) uma recomendação administrativa à Lar Cooperativa Agroindustrial para cobrar o afastamento remunerado de todos os indígenas que trabalham nas unidades de Matelândia e Medianeira.
Procurada pela Gazeta do Povo nesta segunda-feira (22), a empresa informou, em nota, que já resolveu afastar os trabalhadores indígenas, “por decisão da empresa”, a partir de 20 de junho (sábado), “independentemente de ter recebido na data de hoje (22 de junho) uma idêntica recomendação do Ministério Público”. “A cooperativa incorporou mais essa medida ao seu plano de contingência contra a propagação de Covid-19, dando continuidade aos cuidados para preservar a saúde de seus funcionários e associados”, acrescenta a nota.
Fundada em 1964, a Lar Cooperativa Agroindustrial é formada por mais de 11 mil associados e cerca de 16 mil funcionários. Suas principais atividades são a comercialização de insumos agrícolas, recepção de grãos, industrialização de frangos de corte e suinocultura, registrando um faturamento de R$ 6,9 bilhões no ano de 2019. A cooperativa informou ainda ter um total de 62 trabalhadores indígenas em seus quadros. Além dos 49 que vivem em São Miguel do Iguaçu, há outros 13 funcionários indígenas que moram em Diamante do Oeste (aldeias Anhetete e Itamarã).
Sobre os detalhes envolvendo os contratos dos trabalhadores indígenas, como a questão dos salários, a empresa se limitou a explicar à reportagem que os afastamentos foram feitos de acordo com a “legislação trabalhista aplicável ao caso”. No final da tarde desta segunda-feira (22), o cacique Celso Jopoty Alves disse à reportagem que os funcionários da cooperativa que moram na aldeia souberam do afastamento de forma informal, mas que ainda aguardam o comunicado da própria empresa. “Ainda não recebemos o documento da empresa, para ter segurança, com todos os direitos e tudo”, afirmou o cacique. O MPF e o MPT também aguardam uma resposta à recomendação.
A Gazeta do Povo não conseguiu contato, nesta segunda-feira (22), com a Secretaria Municipal da Saúde de São Miguel do Iguaçu. As amostras teriam sido coletadas pelo município e os testes realizados pela Itaipu Binacional. A empresa desenvolve ações voltadas aos povos Avá Guarani, na área de influência do reservatório, por meio de convênios com os municípios. A hidrelétrica disse à reportagem que está “acompanhando atentamente a situação da comunidade Ocoy”.
A reportagem também perguntou à Secretaria Estadual do Paraná (Sesa) se o número de indígenas infectados por coronavírus já havia sido registrado no boletim sobre a doença, mas a pasta não soube informar.
Nesta segunda-feira (22), no boletim da Sesa, a cidade de São Miguel do Iguaçu aparecia com 55 casos confirmados de infecção por coronavírus. O município tem mais de 27 mil habitantes.
Outras aldeias
De acordo com procuradora da República Indira Bolsoni Pinheiro e o procurador do Trabalho Fabrício Gonçalves de Oliveira, que assinam a recomendação enviada à cooperativa, até o momento “não há informações” de contaminações em outras aldeias, mas acreditam que a “tendência” é que o problema ocorra em outras aldeias do Paraná.
O Ministério Público do Estado (MPE) do Paraná informou que também está monitorando a situação na aldeia em São Miguel do Iguaçu, ao lado da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Em todo o Paraná, segundo o MPE, existem pouco mais de 26 mil indígenas autodeclarados e 27 terras indígenas em diferentes estágios de regularização, sendo 17 já demarcadas pelo governo federal.
Vulnerabilidade indígena
Na recomendação encaminhada à Lar Cooperativa Agroindustrial, o MPT e o MPF apontam a vulnerabilidade indígena como um fator de risco na hipótese de infecção pelo novo coronavírus. A procuradora da República Indira Bolsoni Pinheiro e o procurador do Trabalho Fabrício Gonçalves de Oliveira escrevem que “as especificidades imunológicas e epidemiológicas tornam os povos indígenas particularmente suscetíveis ao novo coronavírus, sobretudo tendo em vista que doenças respiratórias são uma das principais causas de óbitos entre estes povos”.
“Viroses respiratórias foram vetores do genocídio indígena em diversos momentos da história do país, com dezenas de casos de genocídios provocados por epidemias registrados em documentos oficiais, como o relatório da Comissão Nacional da Verdade de 2014 e o Relatório Figueiredo de 1967”, citam os procuradores na recomendação.
Eles também destacam a situação de especial vulnerabilidade social e econômica e ainda mencionam aspectos socioculturais de alguns povos indígenas, como “concepção ampliada de família e de núcleo doméstico, habitação em casas coletivas e o compartilhamento de utensílios, que podem facilitar o contágio exponencial da doença nas aldeias”.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o cacique da Ocoy, Celso Jopoty Alves, demonstrou preocupação com a estrutura de atendimento médico mantida hoje pela Sesai no local. “No posto da aldeia, são dois agentes de saúde, um enfermeiro, um técnico e um dentista. Sem doutor. Não temos doutor”, relatou ele.
Frigoríficos
Outro ponto mencionado pelos procuradores na recomendação se refere aos frigoríficos, apontados no documento como “ambientes de trabalho propícios para disseminação do vírus causador da Covid-19”, em função da forma do contágio: “[Os frigoríficos] são constituídos por centenas e, até mesmo, milhares de empregados, em um único estabelecimento, os quais laboram em setores produtivos com elevada concentração de trabalhadores em ambientes fechados, com baixa taxa de renovação de ar, baixas temperaturas, umidade e com diversos postos de trabalho sem o distanciamento mínimo de segurança (...), além da presença de diversos pontos de aglomeração de trabalhadores, tais como: transporte coletivo, refeitórios, salas de descansos, salas de pausas, vestiários, barreiras sanitárias, dentre outros”.
No início deste mês, a Lar Cooperativa Agroindustrial divulgou uma nota à imprensa na qual destaca medidas que adotou contra a circulação do novo coronavírus. Entre as medidas anunciadas, a empresa citava “a ampliação da frota de ônibus que faz o transporte local dos trabalhadores” e “a criação de novas rotinas de horários alternados para as pausas e refeições”.
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