Em setembro de 1973, uma lei federal assinada pelo então presidente da República Emílio Garrastazu Médici criava as bases do Plano Nacional de Viação (PNV). Entre as estradas previstas estava a BR-101, a maior de todas as rodovias do plano, com mais de 4,5 mil quilômetros de extensão. Em seu trajeto original, a estrada cortaria a região costeira do país do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, passando pelo Paraná na cidade litorânea de Antonina. Cinquenta anos depois desta lei ter entrado em vigor, o trecho paranaense da BR-101 não saiu do papel.
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A viabilidade da rodovia continuou sendo estudada e apontada como necessária, porém sem avanços significativos. A mais recente das iniciativas foi tomada pelo governo do Paraná ao indicar, em agosto de 2023, a elaboração de um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para a implantação da BR-101 no Paraná no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
Questionado pela reportagem da Gazeta do Povo sobre mais detalhes sobre o pedido, o governo do Paraná enviou uma nota na qual informa que o valor sugerido para a elaboração deste estudo é de R$ 10 milhões. A BR-101 no Paraná começaria na divisa com Santa Catarina em Garuva, seguiria até a BR-277 em Morretes e chegaria até a BR-116 em Bocaiúva do Sul. O prazo previsto para a realização dos estudos é de dois anos.
Acesso ao porto de Paranaguá é "refém da chuva"
A obra é tida por especialistas em logística e transporte como uma alternativa urgente e necessária para o acesso ao porto de Paranaguá, feito exclusivamente pela rodovia BR-277. Bloqueios e limitações de tráfego na estrada, seja por problemas estruturais da via ou instabilidade de encostas, acontecem há anos. E, mesmo assim, a logística de transporte de cargas de um dos principais portos do país segue refém das condições climáticas ou de incidentes como o tombamento de um caminhão.
A avaliação é do presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas no Estado do Paraná, Silvio Kasnodzei. À Gazeta do Povo, ele estimou os prejuízos provocados à economia paranaense, e também nacional, pelas interrupções no tráfego na BR-277, como os provocados por recentes deslizamentos de parte da encosta.
“Se desde aquela época nós tivéssemos contabilizado e computado todos os custos que tivemos, as perdas de oportunidade de crescimento e desenvolvimento, já teríamos pagado dez vezes o custo da construção dessa estrada. Não dá para aceitar que o segundo maior porto do Brasil só tem um acesso rodoviário que é refém da chuva. É lastimável”, afirmou.
Um dos impeditivos à construção da rodovia, que obrigatoriamente cortaria parte da Serra do Mar e da Mata Atlântica no Paraná, refere-se a questões ambientais. Para José Alberto Pereira Ribeiro, vice-presidente e coordenador do Conselho Temático de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), os primeiros estudos para o traçado, feitos na década de 1980, já apresentavam sinais de inviabilidade ambiental.
A pista, conforme estudos conduzidos naquela época, passaria ao largo do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, definido como uma área de proteção da Mata Atlântica por força de uma lei federal de 2001. Além disso, seria necessária a construção de um túnel de pouco menos de três quilômetros sob a Serra da Prata.
“Isso não vai sair do papel nunca. Este eixo é praticamente inviável. E qual seria a alternativa que nós pensamos? O Contorno de Guaratuba. Santa Catarina já está duplicando uma série de rodovias e o Paraná está correndo atrás, com projetos de duplicar o trecho entre Garuva e Guaratuba. Nós faríamos esse contorno, descemos e saímos na rodovia Alexandra-Matinhos. Aí, neste trecho precisa de um túnel de apenas 200 metros”, estima.
Neste mês de abril, a Fiep abriu uma série de debates que pretende impulsionar debates que possam levar à prática de resolução dos gargalos ao sistema portuário. “O Paraná tem crescido mais do que a China, com um índice de crescimento acima de 7%, e a maior parte desse crescimento vem da industrialização, vem da indústria do agro, da indústria madeireira, da indústria extrativista. Para escoamento dessa produção, é de extrema importância uma conexão eficiente entre rodovias, ferrovias e a área portuária”, disse.
BR-101 causa resistência, diz presidente do Pró-Paraná
O Contorno da Baía também foi o termo utilizado por Marcos Domakoski, presidente do Movimento Pro-Paraná, ao se referir à rodovia alternativa à BR-277 para acesso ao Porto de Paranaguá. “Quando a gente começa a falar em BR-101, já dispara uma resistência muito maior do que a gente precisa ter para conseguir avançar”, explicou à reportagem da Gazeta do Povo.
Para ele, o “ativismo ambiental” envolvendo questões de infraestrutura como a própria BR-101 ou outras obras, como a Ponte de Guaratuba e a engorda da orla da praia em Matinhos “muitas vezes excede aquilo que pode ser considerado como bom senso”. Ele citou como exemplo o impasse em torno das detonações na Pedra da Palangana, parte da derrocagem realizada no Canal da Galheta para aumentar a profundidade no principal acesso ao Porto de Paranaguá.
“Os órgãos ambientais se colocaram rigorosamente contra isso, divulgaram vídeos com grandes explosões, mostrando que iriam voar peixes pelos ares, um absurdo. Mas a Justiça liberou e foram realizadas pequenas explosões localizadas. Graças a isso, o Paraná bateu em 2023 o recorde de exportações pelo porto de Paranaguá com mais de 65 milhões de toneladas”.
Durante uma caravana formada por integrantes do Pró-Paraná e prefeitos da região, Domakoski contou à Gazeta do Povo que percorreu o trecho de cerca de 60 quilômetros entre Garuva e Morretes, parte do que seria o traçado da BR-101 no Paraná. Segundo ele, tirando o trecho onde seria necessário a abertura de um túnel sob a Serra da Prata, o restante do trajeto teria somente obstáculos “facilmente superáveis com a tecnologia atual”.
“Os primeiros 30 quilômetros são muito fáceis de serem superados, é uma estrada que está toda transitável. Do ponto de vista de engenharia não existe praticamente nenhum destaque a ser feito. E fora o túnel, o segundo trecho conta com algumas pequenas pontes. Do ponto de vista de engenharia, isso é absolutamente fácil de ser resolvido”, completou.
O engenheiro civil e superintendente do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) na Região oeste do estado, Charlles Urbano Hostins Junior, confirmou à Gazeta do Povo que há tecnologia adequada para a construção de uma rodovia como a BR-101 na região serrana do Paraná. As questões ambientais, apontou, ganharam mais relevância e hoje fazem parte de qualquer projeto de infraestrutura.
“Antes o que se queria era abrir estradas. Hoje não, a gente quer fazer obras sustentáveis. Antigamente nem havia a figura da licença ambiental para se fazer uma rodovia. Hoje em dia não se põe nenhuma máquina na pista se você não tiver autorização ambiental”, comparou.
Relacionamento entre poder público e órgãos ambientais vem melhorando
Apesar do maior rigor, disse o engenheiro, o relacionamento entre o poder público e os órgãos de defesa ambiental vem melhorando. Para ele, demandas que antes seriam capazes de impedir uma obra de ser realizada hoje podem ser atendidas no decorrer dos trabalhos.
“Nós estamos tendo uma boa interlocução com os órgãos ambientais. É cada vez mais possível mitigar as situações durante o processo. Acaba sendo mais trabalhoso, são muitas reuniões, muita conversa. Mas se formos fazer a conta total isso dá mais celeridade, porque em vez de interromper tudo e ter que retomar depois, a obra pode seguir enquanto essas demandas são mitigadas”, avaliou.
Um exemplo desse avanço no diálogo, disse Hostins Junior, é a nova ponte entre o Brasil e o Paraguai, ligando Foz do Iguaçu a Presidente Franco. “Foi uma superação incrível. É um trabalho feito todo dentro de um rio. Mas é um rio que é também uma fronteira entre dois países. Foi complexo, mas possível”, pontuou.
Especificamente sobre a BR-101 no Paraná, o engenheiro disse que é preciso avançar neste diálogo e que todas as partes envolvidas na obra – poder público, iniciativa privada e órgãos ambientais – têm que “manter a cabeça aberta”. “As condicionantes ambientais acabam sendo primordiais nessas obras. Mas as coisas têm que evoluir. E a gente não pode, porque existe uma barreira física como a Serra do Mar, deixar de fazer os investimentos. Não é um impeditivo, que não dá para fazer. Lógico que dá. Mas é preciso respeitar essas condicionantes”, concluiu.
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