Na segunda-feira (11), Lucas Gabriel, de 13 anos, foi com a avó até a escola estadual onde cursa o 8.º ano, no município de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Eles pretendiam pegar o material impresso para ele retomar as aulas, suspensas desde 23 de março como precaução à disseminação do coronavírus. Lucas é um dos alunos que não tem internet em casa, nem televisão com sinal digital para acessar os canais do Aula Paraná, que começou a funcionar em 6 de abril. Na escola, a resposta foi que a impressão só é feita para quem mora em áreas remotas. Foi só na quinta-feira (14), após reportagens, que uma familiar escreveu à Gazeta do Povo avisando que a apostila tinha sido entregue, com uma mensagem de agradecimento.
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A avó de Lucas é a responsável pelo menino e tinha ouvido na escola que é possível usar internet gratuitamente, mas sem as explicações necessárias para uma idosa de quase 80 anos. Mesmo para pais e mães mais jovens, as tecnologias usadas no Ensino a Distância (EAD) são um mistério, conforme relatos coletados pela reportagem da Gazeta do Povo. A dificuldade maior está em famílias de baixa renda com filhos na rede pública.
Os depoimentos mostram um cenário já apontado por educadores: as desigualdades vão aumentar. Em nota técnica divulgada em abril, o movimento Todos pela Educação alertava que “para evitar a ampliação de desigualdades ao lançar mão de estratégias de ensino remoto, é fundamental entender que a disposição de recursos tecnológicos é diferente entre os distintos perfis socioeconômicos dos alunos e que aqueles que já têm desempenho acadêmico melhor tendem a se beneficiar mais das soluções tecnológicas”.
Seguindo os pareceres do Conselho Estadual de Educação (CEE) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), o governo do Paraná adotou o ensino a distância. São ministradas aulas para toda a rede por diversos meios: aplicativos Google Classroom, Aula Paraná, YouTube e transmissão em tevê aberta, pela RIC Paraná.
Em 6 de maio, a Secretaria da Educação e Esporte (Seed) divulgou alguns dados: 402 mil alunos e 41 mil professores estavam cadastrados no Google Classroom, principal ferramenta do atual modelo de ensino - no sábado (16), a secretaria informou, por meio de nota enviada à Gazeta (leia abaixo na íntegra), que o aplicativo Aula Paraná foi baixado por mais de 800 mil pessoas e que, dessas, 539 mil acessam diariamente o Google Classroom. Mas o Paraná tem 982,3 mil alunos em escolas estaduais urbanas e 51,7 mil em escolas estaduais rurais, totalizando 1,03 milhão, segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica de 2019. O número de docentes na rede é de 45,7 mil, dos quais 6 mil em área rural.
Em relação ao sinal transmitido pela televisão, não há como mensurar a quantidade de alunos que assiste as aulas por este meio. Também não há levantamento de quantos buscam o material impresso, destinado a quem não consegue acessar de forma remota.
Seja pela televisão – que requer antena digital e cômodos disponíveis na casa —, seja pela internet, depoimentos colhidos pela reportagem mostram a dificuldade que as crianças têm para acompanhar os estudos. “No bairro onde moro, sei que os alunos do ensino médio não estão estudando, os pais não conseguem cobrar deles, nem os professores. Muita gurizada fica nos campinhos, soltando pipa”, diz L.C.N., 43 anos, estudante de pedagogia e mãe de Ap., 13 anos, da 8ª série de uma escola estadual, e de Ax., de 8 anos, na 3ª série de uma escola municipal, ambos na Região Metropolitana de Curitiba. A maioria dos nomes desta reportagem foi omitida atendendo a pedidos.
O pedreiro H., 37 anos, morador de Araucária (RMC), tem três crianças em idade escolar: o mais velho com 14, um filho cadeirante de 10 e a menina que iria para a escola agora, com 5 anos. Quem cuida é a mãe. “Mas ela é totalmente leiga. As crianças não estão vendo nada. Eu saio de manhã para trabalhar, eu também não consigo ajudar, estudei pouco. A mãe foi ver se conseguia pegar as atividades na escola”, relatou ele.
A dificuldade em imprimir as atividades é o custo: A pedagoga L., 42 anos, que atua em Colombo, contou que usou 1.000 folhas com o material da primeira semana de aula para seis alunos. “Isso porque reduzi o tamanho dos slides, mas não pode reduzir muito, para ficar legível para o estudante observar e conseguir ler”.
Empurra-empurra
Mesmo para quem está acompanhando as aulas, a qualidade do material é questionada, e isso acaba criando um jogo de empurra-empurra entre professores, Seed e famílias. “O que vejo na escola estadual do meu filho é que ele está fazendo atividades, mas só reproduzindo do vídeo. Tem atividade ali que tem todas as respostas. Não estão pedindo para crianças lerem. Estão cobrando de pais. Mas tem pais que não sabem dar apoio”, relata L.C.N.
A pedagoga de Colombo avalia que há resistência de uma parte da comunidade escolar em usar a tecnologia. “O que observo é que tantos pais e alunos entendem muito de Facebook e Instagram, mas a plataforma de organização de estudos, acham muito difícil. Eu estimulo primeiro tentar a ferramenta, e tem dado certo. Quando entendem a forma de acesso e que pode ajudar na vida deles, é muito mais rápido e mais fácil”, argumenta.
De acordo com a Seed, é atribuição de cada escola fazer uma busca ativa pelos estudantes e acompanhar o andamento dos estudos: pela Resolução nº 1.522/20, ela tem caráter obrigatório. A norma foi publicada somente em 7 de maio, um mês após o início das aulas remotas. Ela também impõe à equipe pedagógica de cada escola que garanta “o acesso ao material impresso encaminhado pela mantenedora aos estudantes que não têm acesso aos recursos para aulas não presenciais, a ser entregue pela escola na mesma data da entrega da merenda”.
Sobre as tarefas, a Seed diz que “os exercícios de fixação do conteúdo passados em aula pela TV possuem um tempo para que o aluno resolva sozinho, a partir das explicações dadas, e depois são corrigidos pelos professores, como funciona em uma sala de aula regularmente”. Casos essas medidas não sejam cumpridas, a Seed orienta procurar os contatos 0800 643 3340 ou pelos números de WhatsApp (41) 99256-9603 ou (41) 99188-7800.
“Tudo bem se reprovar”
Caroline Bugay, 38 anos, técnica de laboratória na PUCPR, relatou no Facebook que iria escrever uma crítica à qualidade de atividades do Aula Paraná feitas pelo filho, Arthur Bugay, de 11 anos. Mas ela desistiu, ao refletir as difíceis condições de trabalho dos professores. “Imagino que os professores estão penando para colocar todas as atividades, e com muita pressão. Então não tive coragem de criticar, porque não sie qual a realidade de quem está criando aquilo”, disse à Gazeta do Povo.
Para Caroline, é importante cobrar qualidade, mas o fundamental mesmo é cuidar da saúde emocional do filho. “Confesso que não tenho uma preocupação tão grande de que ele passe de ano, porque não sei o quão ele aprende com esse ensino. EAD é uma coisa complexa, até para adulto fica difícil, então eu não me importo se ele tiver que fazer 6ª série ano que vem, por exemplo. No fim das contas, tanto faz se meu filho vai passar de ano. Só quero que ele fique saudável, que a mãe dele sobreviva, que a vó dele sobreviva”, acrescentou.
Para manter a mente do filho ativa, Caroline aderiu à rotina escolar, e acha bom ele acompanhar as aulas. Mas faz ressalvas quanto ao conteúdo, que imagina que poderiam ser mais lúdicos. “Temos uma vida simples, mas temos mais de uma televisão smart em casa, a gente tem celular, tem tablet, tem computador, e tenho um filho só. Imagina qualquer mãe que tem dois filhos em casa e tem que acompanhar todo esse volume de trabalho. Não tem como funcionar. Se funcionar, será para uma parcela pequena. Se é para uma parcela pequena, cancela, não é assim que tem que ser. Tem que ser pensado um sistema que funcione para todos. Por isso acho que a abordagem deveria ser mais lúdica, para todo mundo acompanhar. Veja que se fosse assim, poderia ser unificado: todos assistem um filme, fazem uma releitura e o professor avalia de acordo com a série que o aluno está”, opinou.
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