Há pouco mais de dois anos, o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) era preso temporariamente na esteira da Operação Rádio Patrulha e derrotado na disputa ao Senado logo na sequência. Era o início de um período turbulento para o tucano: entre outubro de 2018 e novembro de 2019, ele se tornou réu em oito ações penais, tanto na Justiça Estadual quanto na Justiça Federal. As denúncias foram oferecidas não só no âmbito da Operação Rádio Patrulha, mas também na esteira da Operação Integração, Operação Piloto e Operação Quadro Negro. Na esfera política, o impacto das investigações foi evidente – nas eleições de 2020 seu nome não foi lembrado, ante uma eleição de 2016 na qual, na cadeira de governador do Paraná, virava um cabo eleitoral importante para a vitória de Rafael Greca na prefeitura de Curitiba.
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Desde o início do ano passado, Beto Richa não tem falado com a imprensa. As manifestações, nas quais alega que não cometeu os crimes apontados pelos investigadores, são feitas por meio de seus advogados. Nas redes sociais, o “sumiço” se quebrou só recentemente, quando Beto Richa e a esposa, Fernanda Richa, também alvo de três ações penais, foram conhecer o “Erastinho”, primeiro hospital pediátrico especializado em câncer infantil no sul do Brasil, inaugurado em setembro. “Orgulho em ter participado deste projeto que se tornou realidade”, escreveu ele, embaixo de uma foto divulgada na sua conta no Instagram. Antes disso, seu último post era de 8 de outubro de 2018, quando agradecia os votos recebidos naquele pleito: “Sigo confiando em Deus e acreditando que a verdade e a justiça prevalecerão”.
Mas, o ex-governador do Paraná permanece sem dar entrevistas. E quando aliados são questionados pela imprensa sobre a situação do ex-chefe do Executivo, as respostas seguem um padrão: o tucano está concentrado em fazer sua defesa. O trabalho dos advogados é intenso – como revela a quantidade de recursos apresentados contra decisões do primeiro grau da Justiça Estadual e Federal levados a instâncias superiores ao longo dos mais de dois anos.
E, especialmente na Justiça Estadual, onde tramitam as ações penais ligadas à Operação Rádio Patrulha e à Operação Quadro Negro, os processos judiciais têm se enroscado em contestações variadas colocadas pela defesa, e que vão desde a validade de áudios apresentados por delatores até a competência da Vara Criminal onde tramita o caso – com debates sobre se o processo judicial deveria tramitar na Justiça Estadual ou Federal, ou se na Justiça Comum ou Eleitoral ou, ainda, sobre foro especial por prerrogativa de função de nomes que aparecem nas investigações.
Quadro Negro: caminho longo entre Justiça Eleitoral e Justiça Comum
Deflagrada em 2015 pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR), a Operação Quadro Negro sofreu inúmeros percalços, especialmente em função do foro especial dos nomes que começaram a aparecer na boca dos delatores – o desvio de dinheiro a partir de contratos firmados entre o governo estadual e empresas para construção ou reforma de escolas envolveria deputado estadual, deputado federal, governador, conselheiro de Tribunal de Contas. De 2015 para cá, o caso terminou nas mãos da 9ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Estadual: mandatos eletivos de envolvidos se encerraram (Beto Richa deixou o Palácio Iguaçu em abril de 2018) e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu a possibilidade de foro especial, empurrando processos judiciais para o primeiro grau. Mas o imbróglio tem efeito até hoje nas quatro ações penais nas quais Beto Richa figura como réu.
Em junho último, acolhendo um pedido da defesa do tucano, o ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou que o juiz de primeiro grau enviasse para Brasília os autos da Operação Quadro Negro: ele quer saber se o magistrado de primeiro grau poderia ou não ter fatiado o inquérito principal, jogando a parte que citava Durval Amaral para o STJ (foro especial de conselheiros de tribunais de contas) e permanecendo com o restante da investigação. A decisão de Raul Araújo pode ter desdobramento futuro: se o STJ entender que o fatiamento foi indevido, porque não poderia ter sido feito por um juiz de primeiro grau, a defesa de Beto Richa deve insistir na nulidade das quatro ações penais, que são derivadas do inquérito.
Além disso, em outra frente, os advogados de Beto Richa insistem que os quatro processos judiciais devem tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Justiça Comum. A tese já foi derrubada em julho último – quando a Justiça Eleitoral informou ter arquivado o inquérito que poderia ter conexão com os processos criminais -, mas, na prática, as quatro ações penais ainda não voltaram a tramitar normalmente na 9ª Vara Criminal de Curitiba. O impasse ocorre porque a defesa de Beto Richa sustenta que ainda recorre contra aquela decisão da Justiça Eleitoral, de julho.
Já o MP não entende assim e, no mês passado, chegou a cobrar a retomada do caso na Justiça Comum: “Nenhum óbice resta a impedir a retomada do trâmite processual do presente feito. Isso porque aguardar-se a conclusão do julgamento dos recursos na esfera eleitoral equivaleria a atribuir um efeito suspensivo indireto aos recursos, o que é defeso. Em verdade, a irresignação do recorrente certamente não se encerrará na Corte Eleitoral Paranaense, fazendo com que aquela discussão possa, em tese, levar anos até que seja concluída”.
Até agora, nos quatro processos judiciais, não há data marcada para a realização das audiências que serão feitas para que Beto Richa seja ouvido e interrogado sobre as acusações que pesam contra ele.
Rádio Patrulha: audiências suspensas há mais de um ano
Já a Operação Rádio Patrulha, deflagrada pelo Gaeco no ano de 2018, gerou uma denúncia contra Beto Richa pelos crimes de corrupção passiva e fraude a licitação. A denúncia foi acolhida pela Justiça Estadual, na 13ª Vara Criminal de Curitiba, em outubro daquele ano, mas desde então, pouco andou. Há mais de um ano, uma liminar assinada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem impedido a realização das audiências de instrução e julgamento. O recurso ao STF (Reclamação 36.177) foi feito porque a defesa de Beto Richa havia requisitado à 13ª Vara Criminal de Curitiba seu acesso aos elementos da colaboração premiada de delatores, mas o juiz Fernando Fischer, à frente do processo na época, negou o pedido. Fischer argumentou que a legislação "garante o sigilo dos elementos de prova relativos a fatos que ainda estão sendo investigados".
Mas, ao analisar o caso, Gilmar Mendes considerou que a negativa a Beto Richa afetava seu direito de defesa. “Considerando que o acesso aos atos de colaboração premiada, nos limites da Súmula Vinculante 14 deste STF, é essencial ao exercício da ampla defesa e do contraditório, defiro parcialmente o pedido liminar para suspender as audiências instrutórias (...) até o julgamento do mérito desta Reclamação”, escreveu o ministro, em 2 de agosto de 2019. Até hoje, o mérito da Reclamação não foi julgado.
Outros apelos foram feitos pela defesa de Beto Richa a instâncias superiores, no âmbito da Operação Rádio Patrulha, que apura direcionamento da licitação e desvio de dinheiro, a partir dos contratos firmados pelo governo do Paraná com três empresas, no programa Patrulha do Campo. O Patrulha do Campo foi lançado em 2011 pelo governo do Paraná e consistia basicamente no aluguel de maquinários das empresas, para utilizá-los em melhorias de estradas rurais.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), Beto Richa ainda contesta o recebimento da denúncia pela Justiça Estadual (RHC 118.852). A defesa do tucano tenta trancar a ação penal, alegando, entre outras coisas, “ausência de justa causa, pois a denúncia está baseada exclusivamente em delações premiadas” e “falta de delimitação da conduta do réu”. "A suposta participação do recorrente é deficientemente descrita, uma vez que deixa de explicitar de que modo ocorreu a participação de Carlos Alberto Richa na prática delituosa, valendo-se de afirmações genéricas e presunções indevidas para concluir que o recorrente figurou como sujeito ativo dos delitos", escrevem os advogados.
Em outro recurso no STJ (RHC 122.036), a defesa de Beto Richa sustenta que as gravações apresentadas pelo delator Tony Garcia são ilícitas e pede a retirada dos áudios do processo judicial. Uma das alegações é de que as “captações são clandestinas, obtidas sem consentimento dos interlocutores”.
No STJ, os recursos estão nas mãos da ministra Laurita Vaz, que, liminarmente, já negou os pedidos do tucano, no final do ano passado. Nesta terça-feira (15), os dois casos seriam julgados pela 6ª Turma do STJ, mas acabaram saindo da pauta, “devido ao adiantado da hora”. “Ambos serão julgados na primeira sessão de fevereiro” de 2021, explicou Laurita Vaz. O STJ entra em recesso no próximo dia 20.
Na Justiça Federal, audiências devem acontecer em 2021, por “Zoom”
Na Justiça Federal, Beto Richa é réu em duas ações penais derivadas da Operação Integração e em uma ação penal ligada à Operação Piloto. Embora também haja contestações da defesa do ex-governador do Paraná relacionadas aos três processos judiciais, não há decisões hoje que impedem o andamento normal dos casos.
Na ação penal da Operação Integração na qual Beto Richa é acusado pelos crimes de corrupção passiva e organização criminosa, o juiz federal Nivaldo Brunoni, da 23ª Vara Criminal de Curitiba, avisou nesta segunda-feira (14) que as audiências de instrução ocorrerão por meio de videoconferência, pelo aplicativo Zoom. O motivo é a pandemia do novo coronavírus. A ação penal foi aceita em fevereiro de 2019, mas Beto Richa ainda será ouvido e interrogado.
A Operação Integração mira corrupção no âmbito dos contratos e aditivos firmados entre o governo do Paraná e as seis concessionárias de rodovia que atuam no Anel de Integração. Três delas - Rodonorte, Ecocataratas e Ecovia - fizeram acordos de leniência, admitindo ilicitudes.
A segunda ação penal da Operação Integração, também recebida no início de 2019 pela Justiça Federal e na qual o tucano responde pelo crime de lavagem de dinheiro, aguarda atualmente um laudo do setor de perícia da Polícia Federal para marcar as audiências de instrução e julgamento.
Já na Operação Piloto, Beto Richa responde pelos crimes de corrupção passiva e ativa, fraude licitatória e lavagem de dinheiro, em uma ação penal que tramita desde meados de 2019. Atualmente, as defesas e as acusações também se debruçam sobre laudos periciais, antes da definição de datas para audiências de instrução e julgamento.
Em outro processo judicial da Operação Piloto, no qual o tucano não figurou como réu, já houve sentença, em janeiro último: entre os condenados, está Deonilson Roldo, ex-chefe de gabinete de Beto Richa no Palácio Iguaçu.
A Operação Piloto é um desdobramento da Operação Lava Jato e está relacionada à Parceria Público-Privada (PPP) firmada em 2014 entre a empreiteira Odebrecht e a gestão Beto Richa para duplicação da rodovia PR-323. De acordo com o MPF, executivos da Odebrecht teriam feito um acerto com o então chefe de gabinete, Deonilson Roldo, para que ele limitasse a concorrência da licitação para duplicação da PR-323, favorecendo a empreiteira. Em contrapartida, a Odebrecht pagaria R$ 4 milhões a Roldo e ao seu grupo. Roldo nega e recorre contra a sentença.
Veja abaixo onde tramitam as oito ações penais nas quais o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) é réu – ele nega que tenha cometido crimes; em nenhum dos casos há sentença até agora, seja pela condenação ou pela absolvição:
OPERAÇÃO RÁDIO PATRULHA:
Uma ação penal tramita na 13ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Estadual (referente a denúncia do MP recebida em outubro de 2018 pelos crimes de corrupção passiva e fraude à licitação).
OPERAÇÃO QUADRO NEGRO:
Quatro ações penais tramitam na 9ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Estadual (referentes a denúncias do MP recebidas em março de 2019 pelos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e prorrogação indevida de contrato de licitação; em abril de 2019 pelos crimes de obstrução de justiça e organização criminosa; em abril de 2019 pelos crimes de corrupção passiva e de dar causa à vantagem indevida na execução de contrato de licitação; e em novembro de 2019 pelos crimes de lavagem de dinheiro e obstrução de justiça).
OPERAÇÃO INTEGRAÇÃO:
Duas ações penais tramitam na 23ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Federal (referentes a denúncias do MPF recebidas em fevereiro de 2019 pelos crimes de corrupção passiva e organização criminosa; e em fevereiro de 2019 pelo crime de lavagem de dinheiro).
OPERAÇÃO PILOTO:
Uma ação penal tramita na 23ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Federal (referente a denúncia do MPF recebida em julho de 2019 pelos crimes de corrupção passiva e ativa, fraude licitatória e lavagem de dinheiro).
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