• Carregando...
Indígenas da etnia Kaingang no município de Tamarana (PR).
Indígenas da etnia Kaingang no município de Tamarana (PR).| Foto: Divulgação/Comunidade Kaingang

Em menos de uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a tese jurídica sobre o marco temporal para demarcação de áreas indígenas, ao menos duas propriedades já foram alvos de povos originários no Paraná, estado que é o segundo maior produtor do agro brasileiro. Um alerta do setor produtivo e autoridades políticas reforça que o campo está vigilante aos riscos de invasões em série.

Receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp

As ocorrências registradas nos últimos dias foram nos municípios de Guaíra e Tamarana. A situação mais recente, registrada nessa quinta-feira (28), foi em uma fazenda no município de Tamarana, com quase mil hectares e, segundo os proprietários, área altamente produtiva. Ao menos 300 indígenas da etnia Kaingang participaram da invasão sob a argumentação de que o local pertenceria aos seus antepassados, com registro de doação do imóvel pelo estado em 1955. A condição é contestada pelos proprietários.

Assim que o fato foi registrado, equipes da Polícia Militar (PM) e da Polícia Federal (PF) foram mobilizadas. Até a manhã desta sexta-feira (29), o local seguia sob ocupação, com ao menos 60 pessoas na sede da fazenda.

A ocorrência anterior havia sido no fim de semana no oeste paranaense, no município de Guaíra. Lá, segundo o perfeito Heraldo Trento (União Brasil), um grupo tentou invadir um local, mas com a mobilização rápida de produtores rurais e das forças de segurança, houve o impedimento da ocupação. “Seguimos todos em alerta constante e isso pode gerar uma onda de tentativas de invasões. A situação nos preocupa muito”, reforçou.

A cidade conta com pelo menos uma dúzia de ocupações irregulares de comunidades indígenas e é uma das atingidas pela reivindicação de 24 mil hectares entre os municípios de Terra Roxa, Guaíra e Altônia para a demarcação de um território reivindicado pela etnia Ava-Guarani. O processo de demarcação dali está parado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em Porto Alegre, sob motivação, em 2021, da pandemia de covid-19 e depois para aguardar a definição sobre o marco temporal pelo STF. Autoridades regionais acreditam que, com a decisão do Supremo na ultima semana, o processo volte à pauta de julgamentos. Somente em Guaíra, a reivindicação poderia comprometer 15% do território do município.

Presidente da Frente Parlamentar da Agricultura destaca: “a gente avisou”

O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) usou as redes sociais ainda na quinta-feira (28), após a invasão em Tamarana, para destacar que houve o alerta sobre esse risco de novas ocupações. “Não reconhecer o marco temporal é um atentado ao direito de propriedade e causará insegurança jurídica no campo”, considerou.

A assessoria do deputado alertou que o projeto de lei 2.903/2023, de iniciativa do deputado Homero Pereira (PL-MT) e de autoria da própria Câmara dos Deputados, já foi aprovado e aguarda sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele trata do “reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas” que considera, por definição, o dia 5 de outubro de 1988 como marco temporal, data da promulgação da Constituição Federal.

Paralelo a isso, existem duas Propostas de Emendas à Constituição (PECs) em tramitação no Congresso que versam sobre o tema. A de número 132/2015 altera o inciso 6º do artigo 231 da Constituição Federal e acrescenta artigo 67-A ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para permitir a indenização de possuidores de títulos dominiais relativos a áreas declaradas como indígenas e homologadas a partir de 5 de outubro de 2013. A proposta está sob análise da Comissão Especial da Câmara dos Deputados para seguir para apreciação.

Já a PEC 48/2023 propõe a alteração do inciso 1º do artigo 231 da Constituição Federal para definir marco temporal de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. A PEC está aguardando para ser inserida na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e seguir para o plenário do Senado.

Proprietários dizem que entregam área a indígenas, desde que haja indenização a preços de mercado

A propriedade de quase mil hectares produtivos invadida em Tamarana nessa quinta-feira acabou de ter colheita. Segundo os proprietários, os silos estão lotados com aveia e trigo e a terra vinha sendo preparada para o plantio da soja.

Esta não foi a primeira vez que a família foi alvo de invasões. Em 2017 uma área de cerca de 150 hectares foi ocupada por indígenas. Na época, um acordo judicial firmado com os invasores previa 90 dias para que deixassem o local. Fato que nunca teria ocorrido e as famílias seguem com a área. “Nesse período, o acordo previa que nem eles nem nós cultivássemos a terra, só que eles passaram a arrendar para produtores rurais aquela área. Eles (os indígenas) reivindicam mais áreas, mas para quê? Para arrendarem para os chamados homens brancos? Para plantar soja transgênica, que eles nem poderiam cultivar?”, questionou o proprietário, que optou por não ser identificado.

Ainda segundo os donos da área, 11 pessoas trabalham no local, sendo que duas famílias moram na sede da fazenda. “Estão reivindicando as áreas? Tudo bem, podem ficar com elas desde que me paguem as indenizações pelos valores de mercado, mas queremos receber por elas”, completou. Considerando os preços médios na região, a indenização seria de cerca de R$ 120 milhões.

Os proprietários consideram ainda que estão em alerta sob novos riscos de ocupação. A fazenda está com a família há cerca de 30 anos, mas a titularidades é de pelo menos 60 anos. “Em 2017, quando houve o acordo na invasão passada, diziam que o estado havia concedido a área a eles em 1955. Na época, o Incra que participou do processo destacou que a nossa fazenda não invadia um único palmo do local que pertence  à comunidade (um aldeamento com cerca de 5 mil hectares), ao lado da nossa fazenda (...) tudo isso vem sendo incentivado pela derrubada do marco temporal”, acrescentou.

Assim que souberam do risco de invasão, os proprietários fizeram contato com as forças de segurança pública. “As autoridades deram e continuam dando suporte. A PM está constantemente no local e já estamos entrando com o pedido de reintegração de posse. Como eles estão na sede (os indígenas), estamos impedidos de entrar para resolver as coisas da fazenda, mas não destruíram nada”, explicou o proprietário.

Sem confronto, sem violência e situação sob controle, diz PM

Segundo o comandante do 5º Batalhão da Polícia Militar de Londrina, o coronel Marcos Antonio Tordoro, desde que as autoridades foram acionadas sobre a invasão, duas equipes foram deslocadas à área e policiais seguem no local.

O comandante destacou ainda que há alerta e monitoramento para o risco de novas ocupações no mesmo estilo naquela região e disse que, no caso específico em Tamarana, houve diálogo, uma ação pacífica, sem enfrentamentos e que segue sob controle. “Também pedimos e eles concordaram que não depredassem nada  na propriedade, não destruíssem nem matassem animais. Esse grupo (de cerca de 60 pessoas) está nos galpões, mas por enquanto tudo corre de uma forma pacífica e, assim que houver alguma definição judicial, a PM está pronta para cumprir as ordens”, destacou.

Segundo o coronel, não há indícios de animosidades ou risco de confronto. O escritório da Fundação Nacional  dos Povos Indígenas (Funai) foi acionado para acompanhar a ocorrência. A Gazeta do Povo tentou contato com a Funai, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]