Um passo foi dado para acabar com uma das situações mais criticadas no país – a possibilidade de juízes e desembargadores serem punidos com a aposentadoria, recebendo altos valores mensais. Em meio ao texto da Reforma da Previdência, aprovado em primeiro turno no dia 10 de julho na Câmara Federal, foi incluído o fim da aposentadoria compulsória para magistrados. A inclusão foi feita pelo relator do projeto, deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), inspirado por muitas conversas com o colega Rubens Bueno (Cidadania-PR). A Gazeta do Povo conta os bastidores dessa história.
Bueno conta que foi como presidente da comissão especial do extrateto, também conhecida como comissão dos supersalários, que tomou conhecimento de diversos casos de juízes que tinham sido descobertos cometendo irregularidades, como venda de sentenças, e foram expulsos da magistratura por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por fiscalizar o Judiciário.
A eles foi aplicada a punição máxima – a aposentadoria compulsória – já que nenhum magistrado pode ser demitido (depois de passado os dois anos de estágio probatório, após a aprovação em concurso público). E entre esses punidos havia quem recebesse mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em tese o maior valor que pode receber um servidor público.
Foi nessa época que Bueno se aproximou de Moreira, então membro da comissão do extrateto. Ambos conversaram várias vezes sobre a exceção aplicada aos magistrados e também a membros do Ministério Público, que não correm o risco de demissão, como acontece com as demais categorias do funcionalismo. O trabalho dos parlamentares se estendeu por dois anos e terminou em dezembro de 2018, sem conseguir alterar nenhuma regra em vigor, pois o relatório final nem chegou a ser votado, em função do fim da legislatura.
Ficou a promessa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a questão dos supersalários será retomada depois da votação da Reforma da Previdência.
Enquanto isso, Bueno decidiu articular para que a discussão sobre o fim da aposentadoria compulsória voltasse à baila. Comprou uma briga que muitos parlamentares preferem evitar, por temor de bater de frente com o Judiciário. “Um juiz vender sentença não é um crime comum”, dispara o deputado, indignado. E complementa: “sabendo que vai se aposentar. É como dizer que o crime compensa. Ao invés de ser punido, é premiado.”
O parlamentar alega que o corporativismo no Judiciário é que mantém uma situação como essa, que seria uma exceção à regra. “Os juízes não aplicam esse tipo de punição para os demais criminosos”, argumenta. Para ele, o atual sistema só pode ser definido como uma “indignidade”, sendo que o deputado afirma que as sanções deveriam ter um grau muito maior para os magistrados, considerando as condições de conhecimento e responsabilidade que eles têm.
Bueno cita uma reportagem da revista Piauí, em levantamento que aponta que 58 magistrados que foram punidos com a aposentadoria compulsória na última década custaram aos cofres públicos R$ 137 milhões. Só em 2019, o grupo representou despesas de R$ 10 milhões, segundo o jornal O Estado de São Paulo.
Segundo dados solicitados pela Gazeta do Povo ao CNJ, 65 magistrados foram compulsoriamente aposentados desde 2006. É a punição mais pesada entre as sanções possíveis. Houve ainda cinco casos de demissão, mas esses são restritos a magistrados que teriam cometido irregularidades nos primeiros dois anos no cargo, quando ainda não tinham direito adquirido a vitaliciedade na função.
Papel do CNJ
Para Bueno, é preciso acabar com o que ele chama de excrecência. “Se esse tipo de escândalo continuar com o fim da aposentaria compulsória precisamos ver as atribuições do CNJ”, afirma. O parlamentar destaca ainda que, proporcionalmente, em poucos casos há uma investigação e que é comum que os casos se arrastem por muito tempo. “Muitos juízes sérios concordam com o fim da aposentadoria compulsória”, diz, destacando que os maus profissionais comprometeriam a imagem dos milhares de magistrados que atuam no país.
Bueno comenta que fez outras várias tentativas para acabar com a punição em forma de aposentadoria, como a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), em 2012, mas que não avançou. Foi aí que a aproximação com o relator da Reforma da Previdência fez toda a diferença. O parlamentar paulista decidiu, de última hora, incluir o fim da aposentadoria compulsória no documento que foi votado na Câmara Federal.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Moreira confirmou a afinidade de pensamento com Bueno e as conversas sobre a aposentadoria compulsória. “Apesar de estarmos em partidos diferentes, pensamos parecido”, diz. Ele também conta que lembrou das discussões sobre o assunto quando estava elaborando o documento que acabou sendo votado pela Câmara. “O relatório representa o desejo da grande maioria dos deputados”, defende.
Agora a expectativa é de votação do texto da Reforma da Previdência em segundo turno, em agosto, e da aprovação das mudanças, passando pelo Senado, em setembro. Moreira reforça que, caso a proposta siga sem modificações, caberá ao Judiciário regulamentar a aplicação de punições.
Ele reconhece que a possibilidade de fim da aposentadoria compulsória não chegou a ser discutida durante o processo de negociação da Reforma da Previdência, mas não acredita que se trata de um tema estranho ao assunto e que, portanto, não poderia ser incluído. “O que não é justo é deixar na Constituição esse privilégio que só existe para eles”, dispara, complementando que a reação das entidades de classe deveria se concentrar em uma forma de melhorar o sistema de punição.
Entidade de magistrados explica porque vai contestar o fim da aposentadoria compulsória
É injusto pensar que a aposentadoria compulsória se trata de um privilégio. Essa é a posição de Fernando Marcelo Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Para ele, as críticas ao sistema de punição são consequências do desconhecimento sobre o assunto e compara: se um funcionário de uma empresa comete alguma irregularidade e é demitido, ele não perde o direito a se aposentar. “O que foi recolhido de contribuição não tem relação alguma com a questão disciplinar, com as faltas eventualmente cometidas”, diz.
Mendes também alega que a aposentadoria compulsória é proporcional ao tempo de trabalho e ao que foi contribuído para a Previdência. O presidente da Ajufe também apresenta a justificativa para não ser permitida a demissão de magistrados. “A vitaliciedade é uma garantia da independência do juiz, que pode até ter que decidir contra o interesse do próprio tribunal. Ele não pode ser atacado, perseguido ou punido”, argumenta.
O representante da entidade de classe também explica que um juiz pode, sim, perder o direito à aposentadoria – e citou dois casos em que isso aconteceu. Mas são decisões em decorrência de processos judiciais e não de avaliação disciplinar, que é feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Assim, se um magistrado vende uma sentença para um traficante, por exemplo, ele está sujeito a responder um processo pela irregularidade funcional, passível de perder o cargo, e também pode virar réu em uma ação criminal, que pode resultar em prisão e, em algumas circunstâncias, na perda do direito à aposentadoria.
Reação
Ele também afirma que não se fala que, para quem entrou na magistratura até 2013, a contribuição à Previdência é de 11% sobre o salário. Assim, quem ganha R$ 30 mil, por exemplo, recolhe R$ 3,3 mil de contribuição, enquanto que um trabalhador da iniciativa privada paga menos de R$ 600, independentemente de quanto ganhe – ficando, com isso, condicionado a receber a aposentadoria máxima do INSS, inferior a R$ 6 mil por mês. Alguns magistrados optaram por pagar o teto do INSS, mas aí perderam direito à aposentadoria integral correspondente ao valor do salário.
Por discordar do fim da aposentadoria compulsória e principalmente da forma como a discussão foi encaminhada na Câmara Federal, a Ajufe pretende agir para reverter a situação. Primeiro, a entidade vai tentar articulações políticas para que o assunto seja retirado ou, no mínimo, modificado na votação do segundo turno da Reforma da Previdência ou mesmo no passo seguinte, no Senado.
Caso o fim da aposentadoria compulsória seja aprovado pelo Congresso Nacional, a Ajufe pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), propondo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Para Mendes, a forma como o assunto foi votado na Câmara não cumpre o rito adequado.
Primeiro, ele argumenta que o fim desse tipo de sanção não estava incluído na proposta de governo nem foi debatido durante a discussão da Reforma da Previdência. “Sim, fomos pegos de surpresa pela inclusão”, diz. Como não fazia parte do pacote, não houve também espaço para apresentação de emendas ou supressões, diz.
Ele também afirma que ainda que use o termo aposentadoria, segundo ele não se trata de uma questão de regime previdenciário, mas de processo disciplinar. “Essa matéria é estranha à reforma previdenciária”, diz. A Ajufe entende que as questões relacionadas à punição de juízes são de competência privativa do STF. Mendes acrescenta que o assunto pode der debatido, mas não decidido da forma como foi, o que motivará a contestação.
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