Estudante da rede municipal de Educação de Branquinha (AL) monta uma maquete em atividade de Educação Criativa| Foto: Divulgação/Prefeitura de Branquinha
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A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi estabelecida pela Constituição de 1988 e é um documento com o propósito de definir um conjunto de competências e aprendizagens a que todos os alunos do país devem ter direito de acesso, entre outros pontos. Todavia, mesmo tendo sido idealizada há quase cinco décadas, foi apenas em 2015 que ocorreram as primeiras discussões acerca de seu conteúdo.

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Na versão final, homologada pelo governo federal em 2017, a BNCC traz, entre as competências necessárias aos estudantes, o “exercício da curiosidade intelectual, incluindo a investigação, a imaginação e a criatividade para investigar causas, testar hipóteses, resolver problemas e criar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas”. E esta é primordialmente uma das frentes de atuação da Aprendizagem Criativa, uma nova abordagem pedagógica na Educação que vem mostrando resultados promissores nas redes de ensino onde vem sendo aplicada.

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No Brasil, uma parceria entre a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC), o Instituto Lehmann e a Fundação Lego, da Dinamarca, resultou na criação do programa Escolas Criativas, uma iniciativa que está levando essas práticas e conceitos a redes públicas de ensino ao redor do país. A princípio, foram escolhidas para participarem do programa escolas das redes estaduais do Rio Grande do Sul, São Paulo e Alagoas e as redes municipais de Educação das cidades de Branquinha (AL), Caruaru (PE), Curitiba (PR), Jaguariúna (SP), Recife (PE), Ribeirão das Neves (MG), São Bernardo do Campo (SP), São Luís (MA) e Vinhedo (SP).

Proposta da Aprendizagem Criativa representa uma evolução no processo educacional

À Gazeta do Povo, a coordenadora da área de Adoção Sistêmica da RBAC, Verônica Gomes dos Santos, deu mais detalhes sobre o funcionamento do programa. A ideia, de acordo com ela, é provocar alunos e professores a modificarem a forma como os conteúdos são passados em sala de aula. O objetivo, assim, é fazer com que os assuntos saiam das páginas de livros e apostilas e se transformem em problemas e soluções práticos a serem abordados pelos estudantes.

E a forma como isso se dá, disse Verônica, é colocando literalmente a mão na massa. Esta, aliás, é uma das características principais da Aprendizagem Criativa. “Uma turma que está estudando, por exemplo, o ciclo da água, pode ser provocada sobre uma forma de esse conteúdo ter um impacto direto na sociedade em que esses estudantes vivem. Isso não precisa ser feito só dessa maneira tecnológica, dessa forma digital. Pode ser um cartaz, pode ser uma letra de música, pode ser uma animação no YouTube, um vídeo no TikTok, um aplicativo de celular ou até mesmo uma redação. São várias as formas de devolver respostas práticas ao desafio que o professor lançou em sala de aula”, comentou.

Curitiba é pioneira na adoção de tecnologia na Educação

Em Curitiba, um dos marcos da adoção da tecnologia na educação – uma das vertentes da Aprendizagem Criativa – foi a criação, em 2017, dos Faróis do Saber e Inovação. As estruturas, que já eram reconhecidas no cenário da capital paranaense, foram atualizadas com a instalação de Espaços Maker, onde as crianças do Ensino Fundamental têm acesso à prototipagem e sistemas de impressão em 3D. O pioneirismo chamou a atenção da RBAC, e em 2018 Curitiba sediou seu primeiro Festival de Inovação e Criatividade.

Estudantes da rede pública de Curitiba acompanham processo de impressão em 3D em um Farol do Saber e Inovação.| Foto: Pedro Ribas / SMCS Curitiba
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Uma vez dento do programa Escolas Criativas, como explicou a secretária de Educação de Curitiba, Maria Sílvia Bacila, era natural que Curitiba fosse a primeira cidade a receber a comitiva da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa. Em entrevista à Gazeta do Povo, a secretária comentou que as práticas realizadas na rede municipal de Educação de Curitiba foram levadas a um encontro sobre o assunto no Massachussets Institute of Technology (MIT), em Boston (EUA), um dos berços da abordagem da Aprendizagem Criativa no mundo.

“A pergunta que eu mais ouvia era ‘como vocês fazem tudo isso? Como Curitiba consegue ter esse processo de mão na massa tão internalizado?’. Isso aqui se deu por uma série de fatores. A transformação dos Faróis do Saber ajudou muito nessa compreensão da aprendizagem Criativa. Eles foram reformados e reconfigurados para o século XXI, e cada um deles funciona como um polo de devolução de conhecimento para a comunidade e o entorno onde estão instalados”, avaliou.

Todas as ações, explicou a secretária, foram pequenos passos dados no sentido de criar e reforçar aos poucos a cultura criativa dentro da rede pública de ensino. Com o tempo, os profissionais envolvidos foram cada vez mais “se encantando” com o processo como um todo, comentou Bacila. “Foi se tornando uma demanda natural da sociedade, da comunidade escolar, e não uma imposição. E isso é o mais importante nessa jornada”, completou.

Em Jaguariúna, crianças aprenderam a ler com software de programação

Depois do período que tiveram que ficar em casa por conta da interrupção das aulas presenciais provocada pela pandemia de Covid-19, alguns estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental de Jaguariúna, a cerca de 125 quilômetros da capital São Paulo, ainda não estavam lendo e escrevendo, como era de se esperar. Para atacar o problema, a professora Luciene Mara de Lima resolveu, em vez de utilizar práticas convencionais, como o ditado, provocar os estudantes de outra forma, usando um software de programação de computadores.

O programa se chama Scratch, uma linguagem gratuita de programação em blocos com o intuito de criar animações e jogos, entre outros. Essa foi a opção escolhida, como ela contou à Gazeta do Povo, em virtude de um feedback recebido dos alunos: ficar sentado, lendo ou ouvindo o ditado, era muito chato.

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“Os alunos ficaram encantados com o programa, mas eles não estavam sabendo usar a ferramenta, porque para dar as instruções ao programa era preciso saber ler e escrever. Dessa forma, foi proposto a eles um desafio de aprender a ler e escrever com o propósito de poderem usar o Scratch. O resultado foi excelente, porque essas crianças resolveram um problema real que elas tinham, que era a vontade de aprender a usar o Scratch, com o uso do conhecimento de leitura e escrita, aprendido de uma forma diferente daquela que a gente estava acostumado”, disse.

Estudante da rede pública de Curitiba utilizando a linguagem de programação Scratch.| Foto: Valdecir Galor / Arquivo SMCS

O município está fazendo um levantamento que deve ser concluído em março. De forma preliminar, a professora revelou à reportagem que o índice de frequência dos alunos nas escolas participantes do programa Escola Criativa aumentou substancialmente. “As próprias crianças descobriram que aprender é algo gostoso”, comentou Luciene. “Aquele cenário de os pais tendo que tirar os filhos da cama e praticamente empurrando as crianças para a escola já não existe mais. Agora é a criança que provoca os pais para que eles não percam a hora da aula”, comemorou.

Em Branquinha, Aprendizagem Criativa ajudou na recuperação de alunos no pós-pandemia

A cidade alagoana de Branquinha, distante cerca de 66 quilômetros da capital Maceió, tem cerca de 10,5 mil habitantes. A rede municipal de Educação tem 17 escolas, e em todas elas, os estudantes estão colocando em prática os preceitos da Aprendizagem Criativa. A princípio, o foco era nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e em um segundo momento, o programa foi estendido aos anos finais, nas turmas do 6º ao 9º anos. A meta agora é estender o processo à Educação Infantil.

A participação no programa teve impacto direto principalmente na recuperação de estudantes que sofreram um forte impacto negativo no aprendizado durante a pandemia. O secretário municipal de Educação, Ednaldo Firmino, explicou à Gazeta do Povo que grupos específicos foram criados para trabalhar de forma mais direta com esses estudantes.

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“São os grupos de recomposição da aprendizagem. Graças ao programa, que torna o estudante mais participativo dentro do processo de ensino e aprendizagem, estamos conseguindo bom resultados. Isso também se deve a professores mais engajados, que fazem com que esses alunos façam atividades mais lúdicas, mais dinâmicas, que têm mantido essas crianças na escola, diminuindo a evasão”, avaliou.

Assim como na rede de Jaguariúna, parte das atividades desenvolvidas em Branquinha é feita com o auxílio do Scratch. Mas por lá, a criatividade extrapolou o uso do programa nos computadores, como revelou o secretário. “Nós estamos desenvolvendo estratégias em que o mesmo pensamento utilizado no programa está sendo adaptado para tabuleiros de xadrez. Os professores vêm propondo esses desafios aos estudantes, que estão usando os conceitos aprendidos no computador fora do ambiente virtual”, pontuou.

Em São Luís, professores "embaixadores" inspiram colegas a aderirem ao programa

Motivar os professores para se engajarem no programa é uma das estratégias adotadas pela rede municipal de Educação de São Luís (MA) para garantir o sucesso do programa. Inicialmente, das 159 escolas da rede municipal, 10 foram escolhidas para entrarem no Escolas Criativas. O resultado foi tão positivo que, para 2023, a meta foi ampliada com o propósito de levar as práticas a toda a rede.

Em cada uma dessas escolas, há a figura do embaixador. Segundo Sandreliza Mota, formadora Mestre do Programa Escolas Criativas e coordenadora do Centro de Altas Habilidades ou Superdotação (CAAHS) da Secretaria de Educação de São Luís, esses embaixadores são principalmente professores que já realizam atividades diferenciadas dentro de sala de aula. Em entrevista à Gazeta do Povo, Sandreliza explicou que eles trabalham como multiplicadores do programa.

“Eles são exemplos que acabam inspirando os colegas. São professores inovadores, que têm esse perfil de convidar os outros e levá-los a mudar o jeito de pensar e de preparar as aulas, o que não é uma tarefa fácil. O foco deles é internalizar esse processo de inovação, mas sempre com base na BNCC, uma vez que tudo tem que sempre ter um propósito. A Aprendizagem Criativa se baseia nos chamados ‘4Ps’: projetos, parcerias, paixão e pensar brincando. Esses professores conseguem trabalhar com um quinto P, que é o de ‘propósito’. Isso faz com que os outros docentes entrem no programa não por terem sido convencidos, mas por terem se deixado inspirar e terem desenvolvido essa vontade de pensar diferente”, disse ela.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]