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Assembleia Legislativa
Presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB), durante sessão plenária. Foto: Orlando Kissner/Alep| Foto:

O comando da Assembleia Legislativa do Paraná resolveu modificar uma regra interna, relativa à despesa com alimentação, em reação a uma enxurrada de processos judiciais abertos contra políticos da Casa. A alteração, feita no apagar das luzes da última legislatura, encerrada no fim de janeiro de 2019, permite que os parlamentares continuem utilizando parte da chamada “verba de ressarcimento” para pagar alimentação mesmo quando não se tratar de despesa feita em viagem (fora de Curitiba ou fora do seu domicílio eleitoral, onde mantém residência fixa).

Até janeiro, a verba de ressarcimento poderia ser utilizada para “despesas com aquisições de refeições, inclusive lanches e similares do parlamentar e de assessores em viagens no exercício da atividade parlamentar”. Mas, no ato da Comissão Executiva número 98, publicado em 29 de janeiro último no Diário Oficial, o texto é alterado, com a exclusão da palavra “viagens”. Na nova redação, a verba de ressarcimento pode ser utilizada para “despesas com refeições pagas pelo deputado ou por assessores quando estiverem no exercício de atividade parlamentar”.

Ao fazer a alteração nas regras, a Comissão Executiva justificou que “não raro estão ocorrendo interpretações equivocadas no sentido de que só poderiam ser ressarcidas despesas quando o deputado ou assessores estivessem viajando”. “Tal expressão foi inserida tão somente para enfatizar que até mesmo quando o deputado ou o assessor estivesse viajando, a despesa poderia ser ressarcida, mas não significa que as despesas só poderiam ter sido feitas fora da capital”, escreveu o comando da Assembleia Legislativa.

Ou seja, na prática, a Casa já ressarcia notas de alimentação apresentadas pelos parlamentares independente do local da despesa, se em viagem ou não. Com a alteração no texto, a prática permanece a mesma. “Apesar da clareza do texto, propõe-se nova redação para que não mais exista qualquer tipo de dúvida”, justificou a direção da Casa, ao assinar o ato da Comissão Executiva número 98.

Na legislatura anterior, a Comissão Executiva era formada pelos deputados estaduais Ademar Traiano (PSDB), Plauto Miró (primeiro-secretário) e Jonas Guimarães (segundo-secretário). Os três foram reeleitos, e Ademar Traiano reconduzido ao comando da Casa no início da atual legislatura.

Enxurrada de ações judiciais

A preocupação em modificar o texto vem na esteira de uma enxurrada de processos judiciais abertos contra políticos recentemente. Somente a ONG Vigilantes da Gestão Pública denunciou nove parlamentares por supostas irregularidades no uso da verba de ressarcimento com despesas de alimentação. Também o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) propôs uma ação civil pública em 2017 contra o então deputado estadual Alexandre Guimarães (PSD), hoje assessor do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD).

Desde então, parlamentares têm cobrado da presidência da Assembleia Legislativa uma defesa dos gastos, já que, no entendimento deles, não houve irregularidade.

Em 23 de abril último, quando o deputado estadual Galo (Podemos) foi à tribuna criticar a ONG, Traiano sugeriu que ela se tornasse alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que está sendo criada na Casa com foco no terceiro setor. “Que seja esta a primeira ONG a ser investigada”, atacou Traiano. Para Galo, a ONG está “sendo bancada para atacar os deputados, para tentar desmoralizar”.

“Eu defendo a instituição e os senhores deputados, sem nenhum temor. Todos estão protegidos por projeto de resolução que trata desse tema”, afirmou Traiano.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Vigilantes da Gestão Pública, Sir Carvalho, disse que a ONG, criada há seis anos e com atuação nacional, não tem qualquer ligação com grupos partidários, e nem é financiada com dinheiro público. “É uma ONG feita por cidadãos. Nos mantemos com pequenas doações de pessoas físicas, de vaquinha virtual. Os políticos ainda não entenderam que a sociedade é quem está buscando meios para participar, fiscalizar”, afirmou ele.

Em relação à alteração na regra da verba de ressarcimento, proposta no apagar das luzes da legislatura passada, Carvalho classifica a medida de “jogada de autodefesa”. “Continua sendo imoral, mas aí passa a ser legal. De todo modo, nossas ações judiciais foram propostas por situações pretéritas [da legislatura anterior, quando vigorava o outro texto]”, disse ele.

MP vê abuso

Deputado estadual na legislatura anterior, Alexandre Guimarães (PSD) está na mira da Justiça Estadual desde o final de 2017, em função de parte dos seus gastos com alimentação ressarcidos pela verba da Assembleia Legislativa. Guimarães tentou a reeleição, em outubro do ano passado, mas acabou ficando na condição de suplente. No início do ano, ganhou um cargo no governo do Paraná, lotado na assessoria do governador Ratinho Junior (PSD).

Mas a ação civil pública contra ele, em trâmite na 3ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, não trata apenas do local onde a despesa foi realizada. De acordo com o promotor de Justiça Hugo Evo Magro Corrêa Urbano, o ex-parlamentar “transformou a verba pública destinada a arcar com despesas de alimentação no exercício de atividade de parlamentar em verdadeiro tíquete-refeição, abusando de forma contumaz do dinheiro público, que deveria ser utilizado tão somente para subsidiar o trabalho do parlamentar quando este estivesse em viagem, acompanhado de seus assessores”.

Para o Ministério Público, Guimarães “transferiu para o erário estadual as despesas pessoais ordinárias de alimentação, que deveriam ser suportadas pelo seu próprio patrimônio, por meio de recursos particulares”. “Dentre as despesas poupadas pelo réu, incluem-se itens de alimentação de consumo doméstico, carne para churrasco, bebidas para festas, quantidades grandes de pizzas para entrega em domicílio, alimentação rotineira no município de sua residência [Campo Largo, local onde reside com sua família], alimentação de terceiros estranhos ao quadro de pessoal da Assembleia Legislativa, etc”, citou o promotor de Justiça. Quase R$ 20 mil teriam sido pagos pela Assembleia Legislativa a ele, de forma indevida.

À Gazeta do Povo, a defesa de Guimarães enviou uma nota sobre o assunto: “A verba foi utilizada de acordo com o que preconiza a resolução da Assembleia Legislativa, sendo o ressarcimento aprovado tanto pela Comissão de Tomada de Contas da Casa quanto pelo plenário. O processo ainda está em trâmite e tenho certeza da sua improcedência”.

Verba de ressarcimento

A verba de ressarcimento é um dinheiro mensal reservado pela Assembleia Legislativa para cada parlamentar utilizar com despesas relacionadas ao mandato. Hoje, cada um dos 54 deputados estaduais pode gastar até R$ 31.470,00 por mês. Alimentação é apenas um dos itens da lista de despesas que podem ser ressarcidas pela Casa, a partir da apresentação de nota fiscal.

No “Portal da Transparência” da Casa na internet, a nota fiscal, com a descrição do produto vendido ou do serviço prestado, não fica disponível – ao contrário do que ocorre na Câmara dos Deputados, onde existe verba semelhante. A Assembleia Legislativa informa, além do valor da despesa, o número do CNPJ do estabelecimento que forneceu a nota fiscal e a razão social.

As regras sobre o uso da verba de ressarcimento foram regulamentadas pela Assembleia Legislativa através de quatro resoluções (números 03/2004; 03/2009; 01/2012; e 22/2012) e também por quatro atos da Comissão Executiva (1.526/2012; 1.551/2013; 1.873/2013; e 98/2019).

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