No caso mais recente de ataque armado a escolas registrado no Brasil, um homem de 25 anos invadiu uma creche em Blumenau (SC) na última quarta-feira (5) e atacou várias crianças a golpes de machadinha. Quatro crianças morreram e outras quatro pessoas ficaram feridas no ataque. O agressor se entregou à polícia após os ataques. Poucos dias antes, um adolescente de 13 anos feriu quatro pessoas e matou outra após desferir uma série de golpes de faca. A vítima fatal era uma professora de 71 anos, que teve uma parada cardíaca após os ataques. O agressor, um estudante da 8ª série, foi apreendido.
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O cenário brasileiro deste tipo de ataque ainda está muito distante da realidade dos Estados Unidos. Dados do FBI mostram que somente em 2021 houve 61 ataques provocados por atiradores naquele país. No Brasil, todos os casos somados remontam a pouco mais de uma dezena, sendo o Massacre de Suzano, em 2019, um dos mais emblemáticos. O número de ocorrências, porém, não é visto por autoridades das áreas de Educação e Segurança como um sinal de tranquilidade, senão como um alerta. Uma pesquisa feita pela Secretaria de Educação de São Paulo no início de 2022 mostrou que houve um aumento de 48% nos casos de violência e ameaças nas escolas estaduais, provocados tanto por agentes internos quanto externos.
Em São Paulo, depois do caso mais recente, o secretário estadual de Educação, Renato Feder, anunciou a ampliação de um programa na tentativa de melhorar a convivência e proteção escolar, de 500 para 5 mil profissionais. Criado em 2019, possui 300 profissionais que vão nas unidades escolares fazer atendimentos ligados a brigas, agressões verbais, discriminação e depressão no ambiente escolar, segundo o Executivo estadual. Além deles, há 500 escolas com um profissional treinado e dedicado ao programa. “Vamos ampliar isso para alcançar todas as escolas. É uma medida muito importante, não é do dia para noite, porque precisamos treinar e selecionar essas pessoas”, prometeu o secretário, em entrevista coletiva concedida no dia seguinte ao ataque.
A partir dos questionamentos populares, o secretário paulista de Segurança Pública, Guilherme Derrite, falou do programa Ronda Escolar, na qual 207 viaturas e 576 policiais realizam o patrulhamento de ronda escolar, de maneira que cada viatura fica responsável por 20 escolas. Derrite mencionou ainda o programa Vizinhança Solidária Escolar, afirmando que “claro que vai passar por um processo de ampliação”, mas não deu detalhes sobre o aperfeiçoamento. Derrite agradeceu as duas professoras que imobilizaram o autor do ataque à faca e afirmou que é possível ampliar os programas que existem. "Podemos fazer com o policial esteja cada vez mais presente, mas sabendo que 5 mil escolas é um desafio gigantesco ter uma patrulha em cada escola”.
Adolescentes suspeitos de planejarem ataques foram apreendidos no Paraná
No Paraná, apesar de não haver registros de ataques com agressores ativos – termo utilizado pelas forças de segurança para se referir a casos em que pessoas armadas invadem espaços fechados e promovem agressões indiscriminadas – um adolescente foi apreendido em Londrina. O caso aconteceu uma semana depois do caso na escola da capital paulista, sob a suspeita de que ele estivesse planejando uma ação semelhante na região norte paranaense.
Em depoimento à polícia, o jovem – que não teve o nome nem a idade revelados – disse que o perfil dele em redes sociais pode ter sido hackeado. Mas, na casa do adolescente, foram encontradas luvas, uma faca e uma máscara que aparecem em uma postagem supostamente feita por ele anunciando um massacre. Outro adolescente, de 16 anos, foi apreendido no fim de março em Arapongas, cidade próxima de Londrina, suspeito de estar armado e ameaçar colegas dentro da sala de aula.
Escolas precisam investir em gestão de crises
Em entrevista à Gazeta do Povo, Ana Flavia Bello, CEO da Cosafe Latam, uma empresa especializada em tecnologia para comunicação e gestão de crises, elencou alguns pontos necessários para que a cultura de segurança nas escolas seja mais difundida no Brasil. As orientações constam de um guia elaborado pela empresa com foco na resposta rápida às emergências que possam ocorrer em ambiente escolar.
“O que as escolas precisam ter, em primeiro lugar, é uma definição clara do que fazer em caso de ataque. É preciso, antes de tudo, proteger estudantes e funcionários, deixar corredores vazios e salas trancadas. Para onde essas crianças vão correr? Onde será o ponto de encontro? Em caso de vítimas, quem vai dar o primeiro atendimento? Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que na maioria dos casos, estes ataques duram, em média, 300 segundos. Então, muitas vezes, não dá tempo de esperar a chegada das autoridades de segurança”, explicou.
Consciência do risco
Segundo Ana Flavia, a empresa, nascida na Suécia, começou a atuar no Brasil em 2020. Por conta da pandemia, o primeiro foco da sectech – como são chamadas as startups focadas em oferecer produtos e serviços da área de segurança – foi indústrias e empresas. Mas agora, explicou a CEO da Cosafe para a América Latina, as atenções estão voltadas para a prevenção de crises nas escolas.
“O setor de Educação no Brasil é carente não só dessa cultura de gestão de crise, mas de algo que vem antes, que é a consciência do risco. Isso é algo que, infelizmente, não existe por aqui. Isso nos deixa muito atrás de países como os Estados Unidos, onde se tem essa consciência, e todos estão mais preparados. No Brasil não, ainda é comum essa ideia de que ‘isso nunca vai acontecer comigo’, ou ‘se eu estivesse lá eu ia dar um jeito’”, avaliou.
PM do Paraná está fazendo treinamento nas escolas da rede estadual
Em uma ação conjunta, a Polícia Militar do Paraná e a Secretaria Estadual de Educação (Seed) estão realizando operações de Treinamento de Segurança Escolar Avançado em escolas da rede estadual de ensino. O primeiro dos treinamentos ocorreu no fim de março, no Colégio Estadual Cívico Militar Ermelino de Leão, em Curitiba. No projeto-piloto, houve um simulado de uma invasão da escola por um agressor armado.
Cerca de 60 estudantes e 20 instrutores participaram da ação, que foi filmada e será distribuída para todas as escolas da rede estadual do Paraná como forma de auxiliar no treinamento de prevenção a ataques. Para o major Ricardo da Costa, comandante do Batalhão de Patrulha Escolar Comunitária (BPEC), a iniciativa é uma forma de preparar a comunidade escolar para reagir em caso de agressores ativos.
“Nunca tivemos um caso desses no Paraná, mas isso pode vir a acontecer. Nosso objetivo com esse tipo de ação é buscar minimizar ao máximo os riscos de termos agressores invadindo nossas escolas. Por outro lado, caso isso ocorra, é importante que todos na comunidade escolar tenham internalizadas as ações necessárias para tentar escapar, e em último caso, conter esse agressor”, comentou, em entrevista à Gazeta do Povo.
Correr; se esconder; atacar
A tática de “correr/se esconder/atacar”, citada pelo major, é bastante difundida nos Estados Unidos e é presença constante nas orientações oferecidas aos estudantes por instituições de ensino daquele país. Em caso de ataques, a primeira orientação é tentar escapar do agressor e acionar as forças de segurança assim que for seguro. Se esta não for uma opção, a orientação é buscar abrigo em um local fechado, bloqueando a porta de acesso se possível e permanecendo em silêncio. Por fim, caso haja risco iminente de vida, atacar o agressor pode ser a última saída para se evitar o pior.
Após um ataque, o número de novas ameaças aumenta
Nos dias que se seguiram ao ataque em São Paulo, a Secretaria de Educação do Paraná registrou uma série de denúncias de possíveis ataques a escolas, como revelou à Gazeta do Povo o coordenador de Diversidade e Direitos Humanos da pasta, Lourival de Araújo Filho. A maioria dos casos, porém, não passou de trotes aplicados por estudantes, seja na forma de bilhetes ou recados escritos nos quadros e nas paredes dos banheiros ou mesmo em ligações para as secretarias das escolas.
Uma pesquisa feita pelo FBI entre os anos de 2000 e 2013 mostrou que a comunicação por escrito, como a detalhada por Araújo Filho, esteve presente em 27% dos casos estudados. Não há um fator único que possibilite a identificação prévia do agressor, porém, em 73% dos casos analisados, foi identificado algum tipo de ligação com o local do ataque – 88% dos agressores com menos de 18 anos atacaram a escola onde estudavam. Nos casos envolvendo estudantes, tendências comportamentais que indicavam a possibilidade de ataque foram percebidas, em sua maioria, por professores e funcionários das escolas (75% das ocorrências) e por colegas de sala (92% das ocorrências).
“O aumento nessas notificações é um comportamento que, infelizmente, se repete a cada novo ataque. Nós sabemos disso, mas mesmo assim temos que dar toda a atenção a cada uma dessas possíveis denúncias. Algumas dessas situações são identificadas e resolvidas pelas próprias escolas, e nem chegam à secretaria. De qualquer forma, não podemos ignorar e nem deixar passar nenhuma dessas situações”, contou o coordenador.
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