O general Luiz Felipe Carbonell, titular da pasta da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp), será o primeiro secretário a deixar o governo de Carlos Massa Ratinho Junior. Na semana passada, o governo anunciou a substituição do general, que assumirá a diretoria de Coordenação da Itaipu Binacional, por outro militar do Exército, o coronel Rômulo Marinho Soares. A troca ainda não teve data confirmada, mas deve ocorrer nesta semana.
Nos cinco meses em que ficou sob o comando de Carbonell, primeiro oficial das Forças Armadas a ocupar o cargo em 35 anos, a Sesp chegou a ser considerada dentro do próprio governo como uma das mais eficientes na comparação com as 14 demais secretarias. Ações como a recente deflagração da operação Peça Chave, a implantação do programa Escola Segura e o anúncio da criação da Cidade da Polícia colocaram a segurança pública em evidência no noticiário.
Por outro lado, até em razão do curto período em que esteve na secretaria, o general deixou importantes desafios herdados de gestões anteriores para seu sucessor. Superlotação em presídios, falta de estrutura e reivindicações de servidores por melhores salários estão entre os problemas ainda a serem enfrentados.
Para o sociólogo Aknaton Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o pouco tempo dificulta uma análise aprofundada sobre a gestão de Carbonell. Apesar disso, ele vê com bons olhos algumas iniciativas, como a idealização da Cidade da Polícia, estrutura que unificaria áreas de planejamento e inteligência do estado, polícias militar e civil, além de guardas municipais, polícias Federal e Rodoviária Federal e Exército.
Para ele, a ideia de integrar diversas entidades que planejam a segurança pública pode ser um avanço para o desenvolvimento de políticas da área. “Cartografar as cidades, compreender como é cada bairro, onde acontecem as ocorrências, em um grau complexo de análise, é fundamental”, diz. “Agora, se for só um espaço que junte as polícias de maneira estética, para uma espécie de plano midiático, vai ser pouco eficaz”, avalia. “A aproximação das polícias não depende de dividirem um espaço, mas muito mais de um processo de formação, de se criar uma racionalidade na segurança.”
A Sesp, questionada pela reportagem, não deu detalhes sobre como funcionará a Cidade da Polícia nem sobre o cronograma de instalação da estrutura. Por enquanto, está definido que o centro ocupará o imóvel da antiga fábrica da Ambev, no bairro Rebouças, em Curitiba, e que o investimento total no projeto está orçado em R$ 140 milhões.
Com algumas dificuldades para implantação, outra iniciativa que ganhou repercussão foi o programa Escola Segura, uma parceria da Sesp com a Secretaria de Educação (Seed) que prevê o reforço na segurança de escolas estaduais com a atuação de policiais militares da reserva. Após abrir edital de convocação de policiais, o governo teve de suspender o chamamento em razão da baixa adesão. Um segundo edital foi lançado aumentando a remuneração prevista para os profissionais. Na primeira etapa, o governo voltou o foco do programa para escolas de Foz do Iguaçu, no Oeste do estado, Londrina, no Norte, e da região metropolitana de Curitiba.
Na opinião do sociólogo da UFPR, a medida não é inócua, mas pode trazer poucos resultados efetivos. “É óbvio de colocar um policial reformado na escola, dar um emprego a ele, não é um problema”, ressalta. “Mas o que acontece na escola é um sintoma do que acontece no entorno. Quando há violência em um ambiente controlado é porque ela já ocorre de maneira absolutamente ampla no ambiente comum.”
Economia e críticas
Uma das primeiras medidas anunciadas pelo atual governo na área da administração penitenciária, ainda em janeiro, foi a renegociação do contrato com a empresa fornecedora de marmitas para os presídios. A Sesp garante que, com ajustes nos novos contratos de licitação do sistema prisional, a previsão de economia é de “um valor superior a R$ 80 milhões”.
De acordo com o Conselho da Comunidade de Curitiba, porém, os presos têm reclamado da qualidade da alimentação. “A comida piorou muito, até mesmo nas condições de transporte. Economizaram um pouco e precarizaram ainda mais o serviço”, afirmou Isabel Kugler Mendes, presidente da entidade, em abril. À época, a secretaria informou que não recebeu qualquer denúncia formal sobre o assunto e afirmou haver inspeções diárias da qualidade dos alimentos.
Em abril, como titular da Sesp, Carbonell assinou com o governador Ratinho Junior decreto que regulamenta a obrigação de apenados que fazem uso de tornozeleira eletrônica a pagar pela aquisição e manutenção do equipamento. A lei já havia sido aprovada e sancionada em 2017, mas dependia da regulamentação para entrar em vigor. Na ocasião da assinatura do decreto, o governo calculava que a cobrança geraria aos cofres públicos uma economia de R$ 1,7 milhão por mês.
A medida também foi recebida com críticas por especialistas em segurança pública e direito penal. “Há o grande risco de se criar um requisito a mais para que o preso seja colocado em liberdade, o que é um absurdo que escapa à razoabilidade”, disse o advogado Rui Carlo Dissenha, professor de Direito da UFPR e do Centro Universitário Internacional (Uninter).
Na ocasião, o Depen informou que cada caso seria analisado individualmente em razão de um dispositivo que previa a dispensa da cobrança daqueles que comprovassem insuficiência econômica. A Sesp não respondeu à reportagem quantos usuários da tornozeleira eletrônica fazem o pagamento atualmente e qual valor tem retornado aos cofres públicos em razão do decreto.
Redução de homicídios
O primeiro relatório da Sesp com estatísticas de assassinatos no estado referente ao ano de 2019 apontou que houve redução de 32% no número de homicídios dolosos no primeiro trimestre do ano em relação ao mesmo período do ano passado, quando Beto Richa (PSDB) governava o estado. Dos 399 municípios do estado, 273 (68%) não registraram ocorrências do tipo, segundo o documento.
Divulgados em maio, os dados foram comemorados pelo governo estadual. “O trabalho integrado das forças de segurança pública garantiram este excelente resultado, com redução de homicídios e mais da metade dos municípios paranaenses sem registro de casos nos três primeiros meses deste ano”, disse Carbonell à Agência Estadual de Notícias, do governo do estado. “Nossos esforços são no sentido de maior integração e inteligência para combater a criminalidade em todo o estado.” Também à agência do governo, Ratinho Junior atribuiu a queda “às ações estrategicamente organizadas para combate efetivo à criminalidade”.
Especialistas, porém, questionam a base da dados usada pelo governo para aferir a redução da criminalidade no estado. “Quando a gente fala em homicídio, os dados mais confiáveis são os da saúde e não os da polícia, o problema é que aqueles são mais morosos. Muitos casos não são reportados à polícia ou não são registrados como a realidade dos fatos”, disse a pesquisadora em sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Thaís Duarte.
O pesquisador da UFPR Aknaton Souza também desconfia dos argumentos dados pelo então titular da Sesp. “É um dado interessante e não podemos descartar a contribuição das nossas forças policiais, mas que isso bastaria para explicar os números, seguramente não”, diz. Segundo o sociólogo, há pesquisas que sugerem que essa queda estaria relacionada ao monopólio do tráfico de drogas por facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), que estaria entrando no Paraná. “O que podemos dizer é que a redução nos homicídios pouco tem a ver com políticas recentes. A dinâmica social é muito mais lenta.”
Falta de estrutura
Entre os grandes desafios da segurança pública do Paraná, na opinião dos agentes que atuam na linha de frente da prevenção, combate e investigação de crimes, estão a falta de pessoal, estrutura e remuneração adequada.
Em março, Ratinho Junior disse que estaria em estudo a ampliação do número de viaturas da Polícia Militar (PM) após um caso de feminicídio, que ocorreu mesmo com oito chamados registrados por vizinhos ao telefone de atendimento da PM. “Temos um problema de estrutura. Assumimos o governo com 40% da frota na oficina, ou seja, cinco policiais por frota que deixam de estar trabalhando nas ruas”, disse à época.
A operação Peça Chave, deflagrada pela Polícia Civil na semana passada, pode ajudar a reduzir esse problema. Segundo as investigações, a empresa JMK, contratada para gerir a frota do estado, estaria adulterando orçamentos de oficinas para aumentar o valor dos serviços, dificultando o pagamento pelo governo estadual e deixando viaturas paradas aguardando manutenção.
A questão da falta de estrutura física deveria ser vista como um detalhe, considera Aknaton Souza. “Equipar policiais é fundamental, mas deveria se pensar em formas de como transformar a segurança pública não por viaturas, fuzis e equipamentos”, diz. “Criar um mecanismo estadual conjunto de segurança cuja base seja a investigação e a manutenção dos direitos humanos.” Para ele, a investigação preventiva, com auxílio de universidades e profissionais como geógrafos, sociólogos e cientistas políticos, poderia ser muito mais efetiva.
Em relação ao corpo efetivo, depois de descartar a possibilidade de contratar novos policiais militares, o governo autorizou recentemente a abertura de um concurso para soldados da corporação. Ainda não há previsão de publicação do edital do certame.
Procurado pela Gazeta do Povo, o general Carbonell não retornou aos pedidos de entrevista feitos por meio da assessoria de imprensa da Sesp. A pasta também não comentou o balanço sobre as ações realizadas durante a gestão do militar até o fechamento desta reportagem.
Resistência ao novo secretário e críticas da PM
Para suceder Carbonell, o governador Ratinho Junior indicou outro membro das Forças Armadas, o coronel do Exército Rômulo Marinho Soares, atualmente comissionado do gabinete do governador como assessor na área de gestão e inteligência. “Recebi com orgulho o convite e vamos trabalhar seguindo as determinações do governador Ratinho Junior de reforçar o combate à criminalidade, atuando com força, planejamento e inteligência, para reduzir os índices às menores taxas possíveis”, disse Soares à agência do governo.
A indicação, no entanto, veio acompanhada de críticas das quatro principais associações que representam policiais militares ativos e inativos do Paraná. Em uma carta aberta divulgada no domingo (3), as entidades manifestaram desapontamento “em virtude da desconsideração e desrespeito para com a Polícia Militar do Paraná, verificados pela ausência de militares estaduais na atual composição da pasta.”
Assinado pela Associação dos Oficiais Militares e Bombeiros do Paraná (Assofepar), Associação da Vila Militar (AVM), Associação de Defesa dos Direitos de Policiais Militares Ativos e Inativos (Amai) e pela Sociedade Beneficente dos Subtenentes e Sargentos (SBSS), o documento diz que várias reuniões serão realizadas nos próximos dias, “especialmente com autoridades do Poder Executivo e Legislativo”, e que haverá “vigilância permanente para que a segurança da população não seja prejudicada por eventuais descompassos de ordem orçamentária, financeira e administrativa, que dificultem ou inviabilizem a atividade dos Militares Estaduais”.
Procurada, a Sesp não retornou à reportagem a respeito do conteúdo da carta.
Quando foi anunciado para assumir a Sesp, ainda em 2018, o general Carbonell foi elogiado e recebeu apoio de entidades representativas de policiais civis e militares.
Confira a carta aberta da PM na íntegra:
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