O Brasil poderia importar cerca de 4,5 milhões de toneladas de milho do Paraguai por ano, com uma economia de cerca de R$ 8 por saca e redução anual no custo de produção na ordem de R$ 600 milhões. Porém, diante da burocracia nos trâmites fronteiriços, apenas um terço deste volume entra em território nacional. O levantamento e avaliação são do setor produtivo que reúne cooperativas do agro em uma das principais regiões produtoras do Sul do país: o oeste do Paraná.
Receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp
A região está bem próxima da fronteira com o Paraguai, onde estão instaladas cinco das dez maiores cooperativas brasileiras, a maioria voltada à produção de proteínas. Para o segmento carnes, por exemplo, isso representa um custo mais elevado na produção de rações e, consequentemente, em todo o complexo. O Paraná tem o maior plantel de aves do país (428,5 milhões de cabeças) e o segundo maior plantel de suínos (6,7 milhões de cabeças), com base nos dados do Departamento de Economia Rural da Secretaria Estadual da Agricultura (Deral/Seab).
Apesar de superavitário no cultivo do grão, o Brasil tem ampliado exportações da commodity nos últimos anos e, por outro lado, o setor tem necessitado ou optado por importar de forma sazonal para produção de alimento aos animais. No caso do Paraná, que consome 25% de toda a ração fabricada no Brasil para alimentar os mais diversos planteis, o principal parceiro comercial externo tem sido de fato o país vizinho, mas poderia haver uma integração ainda maior, avaliam os produtores. As cooperativas reconhecem que parte do milho consumido pelas unidades de todo o Sul do Brasil tem partido do Mato Grosso do Sul, de onde o produto chega mais caro se comparado ao grão paraguaio, acrescido de impostos, como o ICMS.
Esses dados foram apurados e vêm sendo divulgados pelo ex-presidente do Programa Oeste em Desenvolvimento (POD), atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Foz do Iguaçu, Danilo Vendruscolo. “O Brasil poderia facilmente importar ainda mais, podendo se aproximar das 6 milhões de toneladas de milho por ano”, diz ele, dependendo da produção do país vizinho. Em 2023, somente na segunda safra que está em curso, o Paraguai espera colher próximo de 5,5 milhões de toneladas do grão segundo o Ministério da Agricultura do país vizinho.
“Nossas compras com eles não ultrapassam 2 milhões de toneladas. Ano passado, as cooperativas do oeste do Paraná e de Santa Catarina, que ficam bem próximas à fronteira e poderiam reduzir muito o custo de transporte deste cereal que vem por caminhões, tentaram comprar mais milho do Paraguai, mas não conseguiram, diante dos empecilhos com o trâmite fronteiriço”, destacou.
Demora, falta de padronização e de certificações
De acordo com Danilo Vendruscolo, há uma soma de fatores que tem travado cargas, muitas vezes, por semanas na fronteira. Segundo o industrial, diante dos entraves no Brasil, o Paraguai tem optado pela venda do seu milho pelo corredor via Rio Paraguai escoando pela Argentina, onde encontra um custo logístico menor e trâmite fronteiriço desenrolado.
Ano passado o Paraguai exportou, em todo o contingente, próximo a 4,6 milhões de toneladas. “Apenas uma parcela veio para o Brasil porque vender para nós pode representar um risco ao não cumprimento dos contratos de exportação. Temos um enorme gargalo em três pontos que fazem com que nosso comércio com eles seja mais difícil”, completou.
Esse primeiro entrave está, segundo o empresário, na inspeção fitossanitária. “Qualquer vestígio de problema no produto e a carga fica retida por 15 dias, o que pode significar uma perda do produto ou de a carga não chegar ao comprador nos prazos e não se cumprir contratos, incidindo em multas onerosas”, esclareceu.
No ranking dos entraves consta ainda, segundo o presidente da Acifi, as “interpretações diversas" e falta de padronização de procedimentos aduaneiros. “A Gestão Coordenada de Fronteira é uma nomenclatura internacional pela qual há um rito a ser seguido, que precisa ter um padrão internacional. Hoje, com a falta desse padrão (no Brasil), um fiscal pode ter uma interpretação diferente de outro, problema que pode gerar uma autuação administrativa em que o exportador precisará se defender. É um problema que leva o exportador a ter receio daquele que for fiscalizar o produto e opta por enviar seus produtos a outros destinos”, completou.
O terceiro ponto diz respeito aos regramentos e procedimentos de boas práticas, compliance e governança que precisam ser adotados e comprovados pelos Operadores Econômicos Autorizados (OEA). “Isso significa que uma empresa transportadora (que fará esse trânsito) tem que ser credenciada à Receita Federal, cumprindo uma série de requisitos para que receba certificação, indicando que não apresenta riscos, como transportar ilícitos, que é muito comum no continente sul-americano, grande produtor de cocaína e de maconha, que tem tráfico de drogas e armas”, completou.
Para o Programa Oeste em Desenvolvimento, todos esses pontos exigem que o processo de segurança e de certificação seja redobrado, mas com padronização e celeridade. “É preciso aderir a esses processos de padronização para que tenhamos um comércio entre os países sul-americanos muito mais forte, o que representaria produtos mais baratos para Brasil, Argentina e Paraguai. O milho é um dos exemplos, mas poderia se estender a outros grãos, como o trigo argentino”, ponderou o órgão.
A fronteira entre Brasil e Paraguai, pelos municípios de Foz do Iguaçu (PR) e Cidade do Leste, responde pela entrada de 50% do milho estrangeiro. “Vez ou outra são adotadas as chamadas operação-padrão de fiscais agropecuários, que acabam elevando o tempo médio de transporte e liberação das cargas”, pontuou o POD.
Produção importante ao Brasil
Salatiel Turra, analista da Gerência de Desenvolvimento Técnico do Sistema Ocepar (Organização das Cooperativas do Estado do Paraná) lembrou que, comparada à produção nacional, o que o país importa ou poderia importar do Paraguai é uma pequena fração, mas que para o setor produtivo é importante, sobretudo na produção das rações. Enquanto o Paraguai estima colher nesta segunda safra cerca de 5,5 milhões de toneladas, o Brasil deverá produzir no ciclo 2022/2023 123 milhões de toneladas de milho: quase 103 milhões somente nas plantações em curso, segundo relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
No Paraná, segundo no ranking nacional de produção do cereal, serão colhidos no ciclo atual 18 milhões de toneladas, de acordo com dados do Departamento de Economia Rural. “Só o Paraná produz mais que o dobro do vizinho Paraguai, mas reforço: o Paraguai é sim, um importante parceiro comercial para o Brasil e em especial para esse produto”, completou.
Brasil é exportador e importador de milho
Nos últimos anos, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do governo federal, o Brasil tem aumentado a participação nas exportações do milho em processo escalonado. “Ao aproveitar bons preços ao mercado internacional, o que não é o caso vivenciado agora, quando registarmos uma queda de quase 50% na cotação diante da promessa de uma segunda safra cheia, o produtor ou o cerealista pode sim optar por exportar o milho em vez de vender ao mercado interno. A quem produz ração, neste caso, pode ser mais vantajoso comprar parte do produto a preços mais baixos, como o milho paraguaio, que tem qualidade tão elevada quanto a brasileira, mas com custo menor. Os trâmites para exportação nem sempre encorajam muito”, explica o analista de mercado Marcelo Dias.
De janeiro a maio, foram exportadas pelo Brasil 11 milhões de toneladas de milho, enquanto as compras totalizaram, até o momento, 193 mil toneladas. “O período mais aquecido para as importações começa agora”, lembrou o analista.
Em 2022, o Brasil exportou 43,2 milhões de toneladas e as compras totalizaram 2,7 milhões de toneladas: 89% deste total vieram do Paraguai. “Temos mercado para acomodar essas importações. As cooperativas querem e precisam do produto do país vizinho, precisamos de um ambiente mais propício para as compras”, reiterou o industrial Danilo Vendruscolo.
A saca de milho importada pelo Brasil no ano passado teve um custo de US$ 14, considerando todas as importações do produto. A saca trazida do Paraguai chegou ao custo de US$ 13,5. Na outra ponta, cada saca vendida pelo Brasil para outros países foi comercializada a US$ 17. O maior comprador do milho in natura brasileiro foi o Irã.
De acordo com a Secex, nos últimos 10 anos, o Brasil saiu de uma marca de 19,8 milhões de toneladas de milho exportadas para 43,2 milhões, aumento de 118%. As importações saltaram nesse mesmo período de 830,4 mil toneladas (2012) para 2,63 milhões (2022), acréscimo de 218%. “Esse é um dos sinais de que, aos poucos, temos passado a nos tornar exportadores e ao mesmo tempo importadores do produto”, considerou Vendruscolo.
Despacho de importação
A Receita Federal informou que o despacho de importação é um procedimento pelo qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao desembaraço aduaneiro que tem como base o artigo 542 do Regulamento Aduaneiro. “Toda mercadoria procedente do exterior, importada a título definitivo ou não, sujeita ou não ao pagamento do imposto de importação, deverá ser submetida a despacho de importação, que será realizado com base em declaração apresentada à unidade aduaneira sob cujo controle estiver a mercadoria”, reforçou o órgão.
A Receita explicou ainda que a declaração de importação, em regra geral, é processada no Siscomex, por meio de Declaração de Importação (DI), Declaração Única de Importação (Duimp) ou Declaração Simplificada de Importação (DSI eletrônica). Existem exceções, em razão da natureza da mercadoria, da operação e da qualidade do importador, em que o despacho de importação é processado sem registro no Siscomex por meio de Declaração Simplificada de Importação (DSI formulário).
O despacho de importação poderá ser efetuado em zona primária ou em zona secundária. “Tem-se por iniciado o despacho de importação na data do registro da declaração de importação. O registro da declaração de importação consiste em sua numeração pela RFB, por meio do Siscomex”, esclareceu a Receita.
O despacho de importação deverá ser iniciado em (art. 546 do Regulamento Aduaneiro): até 90 dias da descarga, se a mercadoria estiver em recinto alfandegado de zona primária; até 45 após esgotar-se o prazo de permanência da mercadoria em recinto alfandegado de zona secundária; até 90 dias, contados do recebimento do aviso de chegada da remessa postal.
Ministério da Agricultura e as inspeções fitossanitárias
O Ministério da Agricultura, responsável pela fiscalização fitossanitária, não respondeu aos questionamentos da reportagem quanto à demora para inspeção e liberação de cargas e a adoção de padronizações no trânsito transfronteiriço. Na página do ministério, há uma série de descrições quanto à vigilância e inspeção.
“As atividades de vigilância agropecuária internacional objetivam impedir a entrada e a disseminação de pragas que constituam ou possam constituir ameaças à agropecuária nacional, garantindo a sanidade dos produtos e a qualidade dos insumos agropecuários importados e exportados”.
Segundo o Mapa, o Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), vinculado à Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), “atua na inspeção e fiscalização do trânsito internacional de vegetais, seus produtos e subprodutos. A fiscalização é feita nos portos, aeroportos internacionais, postos de fronteira e aduanas especiais”.
No site, o Mapa lembra que, de acordo com a legislação, o trabalho da vigilância agropecuária também objetiva evitar danos ao meio ambiente, certificando a qualidade dos produtos importados e evitando prejuízos à economia brasileira e que o Manual de Procedimentos Operacionais da Vigilância Agropecuária Internacional é o instrumento utilizado pelos fiscais federais agropecuários na inspeção e fiscalização do trânsito internacional de animais, seus produtos e subprodutos.
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná
Deixe sua opinião