Para garantia da segurança da vítima, o Tribunal de Justiça do Paraná aceitou o pedido de revogação de liberdade provisória de suspeito. Ele está foragido.| Foto: Albari Rosa/Arquivo Gazeta do Povo
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Acusado de manter a esposa e o filho pequeno em cárcere privado por cinco anos, um homem de 23 anos está foragido. O caso ocorreu no município de Itaperuçu, na Região Metropolitana de Curitiba, e veio à tona nos últimos dias. O suspeito é procurado pela Polícia Civil do Paraná pelos crimes de sequestro, cárcere privado, ameaça e lesão corporal contra a mulher.

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A vítima foi resgatada na última sexta-feira, com um filho de quatro anos, pela Polícia Militar. Ela chegou a deixar um pedido de socorro em um posto de combustíveis, além de ter enviado e-mail para uma instituição de defesa dos direitos da mulher. O homem foi solto dois dias depois de ser preso em flagrante, após passar por uma audiência de custódia, no domingo (16).

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O Ministério Público havia se manifestado contra a prisão preventiva do suspeito, com o argumento de não constar antecedentes criminais relevantes. A Promotoria de Justiça reconsiderou e solicitou a prisão preventiva dele, apontando necessidade da medida para garantia da segurança da vítima. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) aceitou o pedido e a polícia tentou cumprir o mandado de prisão, mas o suspeito não foi encontrado.

O caso ganhou repercussão popular com novos questionamentos à justiça - inicialmente pela soltura do suspeito e, agora, pela fuga dele. Discordância entre juristas, polícia e advogados, a medida da liberdade provisória é a regra nas audiências de custódia. Dados da Polícia Penal do Paraná demonstram que, em 2024, a Justiça concedeu 9.458 medidas de liberdade provisória no estado. Em janeiro e fevereiro deste ano foram 2.208 casos.

A juíza aposentada Zilda Romeiro explica que o entendimento da justiça é a prisão como último caso, para dar todo direito ao suspeito de responder em liberdade. “O princípio assegura que todos são inocentes até uma prova contrária, justificando que a restrição de liberdade deve ser uma exceção, não a regra”, afirma a magistrada.

A dificuldade para fundamentação do pedido da prisão preventiva colabora para o número de medidas de liberdade provisória. “É necessário demonstrar a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes de autoria, além da ocorrência de um ou mais pressupostos”, relata a juíza.

Liberdade provisória tem justificada revolta na população, afirma procurador

O direito é concedido ao suspeito de um crime para responder ao processo em liberdade desde que a interpretação seja de que não há razões justificáveis para sua manutenção em prisão preventiva, como risco à ordem pública ou chances de fuga. O procurador de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Rocha Monteiro questiona a medida da liberdade provisória.

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“A soltura nas audiências de custódia de criminosos presos em flagrante tem gerado justificada revolta na população brasileira, aturdida com a leniência com que são tratados delinquentes, justamente no país que apresenta alguns dos piores indicadores criminais do planeta”, afirma o procurador.

Monteiro aponta a necessidade de revisão das leis que regem as audiências de custódia. “O criminoso é liberado porque nossa lei não permite a conversão da prisão em flagrante em preventiva, se o crime não tiver pena acima de quatro anos”, acrescenta ele.

Em opinião divergente, o advogado criminalista Elias Assad pontua que a justiça brasileira já utilizou o método da prisão preventiva compulsória e acredita que a forma atual é uma evolução. “É um risco que se corre de prender desnecessariamente alguém ou de conceder liberdade provisória para quem eventualmente não mereça. Eu creio que o juiz deva ter este poder. Entendo a incompreensão popular, mas são franquias processais penais. São direitos fundamentais da cidadania”, afirma.

Para o jurista Jacinto Nelson Coutinho, as recorrentes críticas na sociedade sobre a decisão pela liberdade provisória não devem prevalecer. “A lei, pela sua natureza (inclusive de se aplicar a todos), é a regra a ser seguida. É assim porque o juízo moral já está nela, ou foi uma das razões da sua existência. Não fosse assim, a cada momento teríamos uma decisão diferente e não haveria segurança jurídica alguma”, afirma.

De forma geral, a liberdade provisória é questionada em cinco pontos:

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  • risco de reincidência, pois os indivíduos soltos podem cometer novos crimes;
  • impunidade, especialmente em casos de crimes graves;
  • insegurança pública, afetando a confiança nas instituições de justiça e policia penal;
  • desigualdade, percepção de que a justiça não é igual para todos;
  • fuga do réu, que pode não comparecer aos atos processuais.

Homem soma 84 flagrantes por furto de celular: como fica a reincidência?

O procurador de Justiça do Rio Marcelo Rocha Monteiro exemplifica o debate com um caso emblemático da capital carioca, em que um homem contabiliza 84 flagrantes por furtos de telefones celulares. “Mais uma distorção da nossa legislação: o sujeito só pode ser considerado reincidente depois que não couber mais qualquer recurso da sua primeira condenação (o chamado trânsito em julgado). Isso demora anos, são inúmeros recursos que a defesa interpõe, justamente para adiar a decisão. Durante todo esse tempo, o sujeito comete mais 83 crimes e em todos eles, será considerado primário”, aponta.

Entre as justificativas para a premissa da liberdade provisória está a superpopulação carcerária no Brasil. Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que são 684.825 pessoas presas no país, para 496.261 vagas, um déficit de 188.564 vagas. Os estados do Sul estão entre os que mais possuem população carcerária.

Na região, o Paraná possui o maior número de encarcerados, com 42.022 presos, para 30.562 vagas, um déficit de 9.009 vagas. Na sequência está o Rio Grande do Sul, com 35.763 pessoas presas, com 24.756 vagas no sistema carcerário, um déficit de 11.152 vagas.

O estado de Santa Catarina, com 29.064 pessoas privadas de liberdade, detém 21.602 vagas, déficit de 6.225. Conforme dados levantados pela Coordenadoria Estadual de Informação, Dados e Estatística da Polícia Penal de Santa Catarina, 12.314 pessoas foram liberadas por liberdade provisória em 2024. Dessas, 10.970 são homens e 1.344 são mulheres.

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Casos envolvendo violência doméstica seguem um protocolo diferente para o julgamento. “É a perspectiva de gênero, em que o juiz deve levar em conta a ótica da vulnerabilidade da mulher. Nesses casos de agressão, o acusado geralmente é réu primário, possui residência fixa, trabalha, tem bons antecedentes. Mas a prisão preventiva é a melhor opção para a proteção da vítima, para não haver o feminicídio, que é um crime de vingança”, explica a juíza Zilda Romero.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]