“É o Tinder da inovação”, brinca o diretor-presidente da Celepar, o empresário com sólida formação em tecnologia Allan Costa, fazendo referência ao aplicativo de namoro mais conhecido do mundo. O executivo se refere a uma ferramenta chamada Startup Match, lançada em abril, cujo objetivo é ligar pelo menos dois pontos fundamentais para se criar um negócio inovador: o empreendedor e o entendedor.
“Imagine um grupo de meninos e meninas que criou uma startup para desenvolver um sistema de inteligência artificial (IA) que facilite o acompanhamento escolar de um estudante. Esse grupo pode chegar a um momento em que tem um gargalo [jargão técnico para dificuldade em continuar um negócio]. Pode ser que seja a falta de profissionais pesquisadores que dominem a tecnologia de IA”, exemplifica. “Por outro lado, eu tenho uma quantidade grande de doutores no estado. Só nas universidades estaduais do Paraná são mais de cinco mil, responsáveis por uma infinidade de pesquisas que raramente atravessam as paredes das universidades”, diz Costa.
“Criamos uma plataforma de inovação, aberta na internet, para que as startups cadastrem seus gargalos e, do outro lado, nós mapeamos os ativos de inovação tecnológica [professores, agências de pesquisa, institutos tecnológicos]. Se der o match [profissionais e empreendedores tiverem interesse comum], a Fundação Araucária [braço do governo responsável por liberar investimentos em pesquisas científicas] entra no circuito, financiando a bolsa para que este pesquisador desenvolva seu trabalho. Resolvo o gargalo da startup, o distanciamento da academia e o recurso, somente usando inteligência”, aponta. De quebra, torna o negócio mais “sexy” também para investidores privados.
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Esse “date” entre os inovadores é, por enquanto, a face mais palpável, e necessária, de um desafio que o novo governo paranaense terá de enfrentar. Em sua campanha para o Executivo estadual, o governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), afirmou querer transformar o Paraná no estado “mais inovador do Brasil”, embora o ponto de partida não seja dos mais animadores. De 2015 para cá, o estado não viu o seu número de startups fazer frente aos do Sudeste, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Pior que isso. Viu um vizinho de região, com uma situação fiscal delicada, o Rio Grande do Sul, criar um ecossistema de inovação bem mais amigável – os gaúchos hoje têm 963 startups; enquanto paranaenses possuem 638.
Obviamente, apenas ter mais startups não garante a vanguarda em inovação. Mas é um bom termômetro de clima para o interesse e ambiente de negócios científico-tecnológicos. Os números do “milagre gaúcho”, por exemplo, mostram como surtiu efeito um conjunto de medidas que, de acordo com o presidente da ABStartups, Amure Pinho, ao jornal O Estado de S. Paulo, envolveu “iniciativa pública, instituições de ensino e capital privado”.
Por aqui, esse namoro ainda está sem clima. “Hoje não tem união”, decreta Alexandre Rasi Aoki, pesquisador em inovação da Universidade Federal do Paraná e conselheiro da Fundação Araucária. “O que se tem é uma competição por recursos. Como eles são escassos, o que se vê é o pessoal se articulando para tentar ter uma informação privilegiada”, diz. Um ambiente bastante inóspito.
Algumas soluções foram encontradas a nível municipal, sobretudo em cidades como Maringá – que lidera a área de tecnologia da informação no estado, com 400 empresas gerando valor de R$ 1 bilhão ao ano – e, mais recentemente, Curitiba, com o Vale do Pinhão, que vem tendo boas iniciativas de inovação em urbanismo. Mas, ainda assim, são ações pontuais.
Uma lição que começa em casa
É para tentar ligar as pontas soltas e criar soluções baratas e funcionais que o governo montou, ainda no início da gestão, uma Superintendência de Inovação. O objetivo é ir além da competência da Secretaria de Ciência e Tecnologia e tornar transversal esse interesse.
A aposta paranaense começa justamente em inovar a máquina pública estadual, uma iniciativa em alta em todo mundo – segundo a consultoria PriceWaterhouseCoopers, o segmento das chamadas GovTechs (tecnologias aplicadas à gestão pública) tem recebido o dobro de investimento a cada ano desde de 2015; somente no Reino Unido, no ano passado, atraiu 198% a mais de dinheiro do que no ano anterior.
“Entendemos que os governos estão se tornando obsoletos. A sociedade evolui muito rapidamente. A gente tem hoje tudo na palma da mão, a dois cliques. Os governos correm um risco muito sério de se desconectarem. Se não retomarem essa conexão, vão se se tornar desnecessários”, diz Natalie Unterstell, superintendente de Inovação. “A inovação [na gestão pública] acelera os processos. Precisamos responder a população de uma maneira mais rápida e, ao mesmo tempo, repensar o papel do estado. Que serviços nós teremos daqui a 10 anos, em um mundo que terá carros autônomos e tecnologias como essas?”, projeta.
Oportunamente, seu principal aliado nesta mudança é a Celepar, que abre esta reportagem. A agência de tecnologia estadual pretende mudar o foco de trabalho e passar a atuar na mesma toada de gigantes da tecnologia, como Google e Facebook. “Temos uma afirmação tomada como verdadeira pelo mercado de que os dados são o novo petróleo. Você olha para as maiores empresas do mundo há 10, 15 anos, seis eram de petróleo. Quando você olha para as empresas mais valiosas do mundo hoje [Apple, Google e Microsoft, pela lista da Forbes], você percebe que as principais são tech. A gente fala que são de empresas de tecnologia, mas por uma feliz coincidência são as maiores detentoras dos nossos dados. O Google sabe tudo o que fazemos o tempo todo, porque nos monitora com os celulares; o Facebook sabe os nossos hábitos de consumo, aquilo que a gente curte ou deixa de curtir”, aponta o diretor-presidente da companhia, Allan Costa. “Se você enxerga o dado como um grande ativo, onde é que está a maior quantidade de dados do estado? Na Celepar. A Celepar sabe tudo o que acontece no Paraná. Na área da saúde, da educação, de cultura...”, exemplifica.
De acordo com o diretor, a empresa passará a vasculhar estes dados em busca de melhores saídas em políticas públicas. “O grande valor que podemos entregar para a sociedade é usar estes dados para criar inteligência. Que tipo de inteligência? Aquela que permita melhorar o poder de decisões dos gestores públicos na realocação dos recursos. Por exemplo, ‘se eu continuar a usar essa verba dessa forma, daqui a um tempo a consequência será aquela’. Eu posso começar a cruzar dados de lugares diferentes para tirar conclusões sofisticadas. Qual é o impacto que terei na busca de determinado serviço de saúde se eu investir mais na educação, deixar a criança mais tempo na escola? Isso pode ter uma consequência. Se eu invisto mais na educação, pode ser que a criança cuide melhor da prevenção de sua própria saúde e isso resulte em uma economia de recursos na saúde pública”, exemplifica.
Da porta para fora
Não é só arrumando a casa que o Paraná poderá galgar uma posição menos tímida entre os estados inovadores. Natalie admite que o governo precisa assumir as rédeas como indutor do ambiente de negócios. “Ele tem papel no estímulo ao ecossistema e potencialização aos investimentos. Tem que ser um player da inovação, tanto do ponto de vista de P&D [a parte de desenvolvimento, de fato] quanto de legislação”, diz. A Superintendência aposta principalmente no desenvolvimento de soluções para o segmento agrícola e bancário, dois pontos em que os paranaenses já começam a se destacar.
A indução é necessária sobretudo em um cenário em que os empreendedores mais inovadores – geralmente jovens recém-saído das universidades – não têm canal de diálogo com investidores e tampouco voz com o poder público.
A inovação [na gestão pública] acelera os processos. Precisamos responder a população de uma maneira mais rápida e, ao mesmo tempo, repensar o papel do estado. Que serviços nós teremos daqui a 10 anos, em um mundo que terá carros autônomos e tecnologias como essas?
Natalie Unterstell, superintendente de Inovação do Paraná
A Startup Match, da Celepar, pretende preencher justamente esse filão. Se der certo, ótimo para a gestão estadual, já que, no projeto de avanço inovador, o governo espera contar com a agilidade desses mesmos startupeiros. “Hoje, o estado tem que fazer tudo. Tem que identificar o problema, identificar soluções, escolher a melhor solução, fazer o edital. É uma burocracia. Que tal se a gente colocar esse desafio para o ecossistema? Falar assim: ‘eu tenho o problema X; quem me der a solução, assume o projeto”, diz a superintendente. É, segundo ela, a saída para uma economia de milhões em editais de serviço ou infraestrutura.
O governo também trabalha com a opção de disponibilizar o banco de dados da Celepar para que empreendedores possam desenvolver inteligência em cima dos dados. Segundo Allan, existe um projeto em desenvolvimento que visa a construção de ‘centros de aceleração’ de startups, ou espaços em que os empreendedores possam vasculhar o ouro de informações do estado, sob comando da iniciativa privada, mas aos olhos de conselheiros do governo – um modelo semelhante ao de alguns espaços em São Paulo. “Nesse modelo, o estado pode decidir quais startups poderão ser apoiadas. Serão aquelas que resolvam nossos gargalos do estado. Posso ter uma startup para melhorar o Detran ou melhorar um serviço da área de saúde, para exemplificar. E com a velocidade que isso é necessário hoje”, destaca.
Dinheiro? Só se for privado
Apesar de um conjunto sólido de intenções, os empreendedores paranaenses terão de ser criativos também nos gastos, já que não há aumento de recursos ou investimento público previsto para a área, além do que já estavam programados no ano passado. “A Fomento Paraná criou três fundo de inovação. Até julho, devem estar prontos. Um deles é um fundo aval-garantidor, outro o fundo de capital de risco e um fundo de inovação propriamente dito. Isso foi criado no ano passado para as startups e ecossistema e será estimulado”, diz Natalie Unterstell.
O aporte soma-se ao da Fundação Araucária, que disponibiliza valores na ordem de R$ 30 milhões a R$ 40 milhões anuais para projetos de pesquisa científica.
Não há, por ora, intenção do governo estadual de injetar maior quantia ou conceder incentivos fiscais vultosos neste segmento. Por aqui, a ordem é seguir o plano nacional e transferir a maior parte destes investimentos para o capital privado. “Estamos alinhados com o governo federal. Brasília editou a MP da liberdade econômica [Medida Provisória 881/2019], que tenta justamente reconhecer os estágios iniciais da inovação, além de especificar algumas políticas específicas para startups. Em vez de fazer uma lei estadual, vamos trabalhar com a federal”, diz Natalie.
A MP a que ela se refere facilita o registro de uma empresa de tecnologia, eliminando parte da burocracia que anteriormente era exigida, além de suavizar a tributação de investidores-anjo. “Não é só incentivo [financeiro] que faz a diferença para essa galera”, defende.
Mas que ele ajuda, isso é inegável. “Em nível federal, há várias leis que preveem a captação de recursos [públicos] para pesquisa e inovação. O grande problema é que o governo acaba aplicando este recurso em outras ações, que não pesquisa e inovação. O volume de recursos que é enviado para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [FNDCT, gerido pelo Finep], por exemplo, não é usado só lá. Ele é desvinculado. Por isso paramos de ter chamadas nacionais [que é como são chamados os editais de pesquisas]”, diz Alexandre Aoki.
Se você enxerga o dado como um grande ativo, onde é que está a maior quantidade de dados do estado? Na Celepar. A Celepar sabe tudo o que acontece no Paraná. Na área da saúde, da educação, de cultura... O grande valor que podemos entregar para a sociedade é usar estes dados para criar inteligência. Que tipo de inteligência? Aquela que permita melhorar o poder de decisões dos gestores públicos na realocação dos recursos
Allan Costa, diretor-presidente da Celepar
É uma posição semelhante à de Carlos Itsuo Yamamoto, diretor executivo da Agência de Inovação da UFPR. “O Marco Legal [da Ciência, Tecnologia e Inovação] dá incentivos fiscais às empresas. Em tese, você coloca 100% [em investimento] e pode recuperar até 160%, mas o pessoal não está conseguindo mais de 30% a 35%. Por mais que exista esse mecanismo, ele não está funcionando e nem vai funcionar bem tão cedo. Vai ter que haver uma mudança cultural. Os pesquisadores vão precisar a aprender a escrever projetos para as empresas, porque para o governo era de outro jeito. Vamos precisar de um período de acomodação, que não será menor do que 10, 20 anos”, diz o estudioso, que aponta que esta legislação é baseada na norte-americana e, portanto, muito mais realista para os americanos.
“É importante este movimento, sim [de passar os investimentos para a iniciativa privada]. Mas o governo não deveria deixar de investir. Os americanos investem horrores em pesquisa básica. Para dar um exemplo, o Brasil usa etanol como antidetonante [componente] para gasolina e os americanos usavam uma substância chamada MTBE, um derivado de petróleo, Descobriram que isso dá problema de saúde. Eles pesquisaram em todo mundo e decidiram usar o modelo brasileiro, que era barato. O governo brasileiro não quis liberar a exportação para lá. Então os americanos decidiram extrair álcool do milho. Os pesquisadores brasileiros ficaram rindo, já que não há nada melhor para extrair álcool do que cana-de-açúcar. Em um ano, o governo americano colocou mais de R$ 4 bilhões de dólares para descobrir como produzir etanol de milho barato. Hoje, o etanol de milho é mais barato que o de cana. E nós estamos importando etanol dos EUA”, exemplifica.
Por aqui, o governo deve mexer discretamente em sua Lei Estadual de Inovação. Mas sem grandes mudanças para o Marco Legal. O texto deve ir a consulta pública no site da Assembleia Legislativa do Paraná ainda esta semana. De acordo com informações preliminares, a ideia é desburocratizar em nível estadual a formação das startups. Com mais atores no jogo, e caso a integração de todo o ecossistema saia de fato do estágio inicial, o Paraná poderá ter mais ideias e maior probabilidade de que as de destaque vinguem. “Toda ação é importante. Precisamos de ações de longo alcance, mais ordenadas, e menos de propaganda”, destaca Yamamoto.
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