Instalado em uma sala do quinto andar do prédio da Secretaria Estadual da Segurança Pública e Administração Penitenciaria (Sesp), no bairro Centro Cívico, em Curitiba, o Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública da Região Sul (CIISPR-Sul) opera em sigilo extremo.
Uma visita ao local, à primeira vista, não sugeriria nada de extraordinário, segundo Marcos Aurélio Pereira de Moura, diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública. “São só estações de trabalho com computadores e servidores públicos, profissionais da área de segurança pública”, afirma.
Mas os dados que circulam internamente fazem com que o acesso ao local seja bastante restrito. Na sala, onde já funcionou o Centro Integrado de Comando e Controle, construído para a Copa do Mundo 2014, trabalham atualmente 11 profissionais dos três estados do Sul, que cruzam informações a partir de 74 bases de dados diversas, com o objetivo de investigar organizações criminosas que atuam na região.
O CIISPR-Sul entrou em atividade oficialmente no último dia 10 de maio, após ser ativado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A imprensa foi impedida de acompanhar a entrada do presidente no órgão. Na entrevista a seguir, concedida à Gazeta do Povo, o diretor de inteligência da Seopi, responsável pela coordenação dos centros integrados regionais, dá algumas informações sobre como têm funcionado as atividades em Curitiba:
Quais órgãos estão envolvidos no CIISPR-Sul e quantas pessoas trabalham atualmente no local?
Nós temos 13 órgãos envolvidos no trabalho, que ocorre de forma conjunta no centro regional de Curitiba. São elas as agências de inteligência das polícias civis, das polícias militares, dos sistemas penitenciários e das secretarias de segurança pública dos três estados – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Naturalmente, também há um representante da nossa diretoria daqui de Brasília. Em termos de pessoal, temos dois representantes do Rio Grande do Sul. No caso de Santa Catarina, são três pessoas: dois dos órgãos de inteligência e mais um que é o coordenador regional do Centro, o delegado Procópio Batista da Silveira Neto. Os representantes do estado do Paraná estão em maior número, cinco. Ao todo temos, no momento, 11 profissionais.
Dentro [do CIISPR-Sul] não tem nada de extraordinário. É uma sala, com várias estações de trabalho, com computadores e servidores, profissionais da área de segurança pública. Mas não tem nada de extraordinário. Não temos nenhum satélite que a gente controla que monitora a vida de todas as pessoas
Marcos Aurélio Pereira de Moura, diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Essa equipe é fixa ou tem algum revezamento?
Em princípio, isso depende da situação particular de cada um, mas eles foram recrutados para trabalhar durante um ano. Claro que isso não é uma coisa rígida. Se ele tiver um problema qualquer, pode ter de ser desligado. Terminado esse prazo, ele pode continuar cumprindo sua missão ou pode ser substituído, de acordo com a conveniência do estado dele. Não influenciamos na indicação desses profissionais pelos estados.
Como funciona a participação de cada instituição no CIISPR-Sul?
Não existe hierarquia. O Centro funciona de forma coordenada e integrada, sem subordinação de nenhum órgão a outro. Naturalmente nós temos de ter alguém para ser coordenador administrativo do Centro. Neste momento, é um representante do estado de Santa Catarina, mas daqui a um mês pode mudar, ser um do Paraná ou do Rio Grande do Sul. Não é que ele seja superior hierárquico dos outros; é apenas a pessoa que faz a ligação entre o Centro regional e a nossa unidade aqui em Brasília [o Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública Nacional].
Quais informações são trabalhadas pelos agentes de inteligência no local? Dados de suspeitos, inquéritos, ocorrências, imagens de câmeras...)?
Ao todo nós estamos trabalhando com 74 bases de dados variadas. Elas abrangem praticamente tudo o que você me pergunta: suspeitos, inquéritos, as ocorrências mais comuns nos estados... Cada representante do estado que foi indicado para trabalhar no Centro tem senhas para acessar os bancos de dados de seu estado. Hoje, você sabe, isso é tudo feito de forma remota. Por exemplo, digamos que houve uma ocorrência em Curitiba, e o suspeito é do estado de Santa Catarina. O representante do Paraná passa os dados desse suspeito para o colega catarinense, que, por sua vez, pesquisa os bancos de dados do estado. Isso funciona de forma recíproca. Além disso, temos representantes da nossa diretoria que também acessa as bases de dados aqui de Brasília. Ou seja, o objetivo é a troca simultânea de informações de interesse de cada estado.
E como é a rotina? Há horários para cada equipe?
Nós policiais não trabalhamos em horário comercial. Se houver necessidade de serviço, vai funcionar 24 horas. Isso de acordo com a demanda de trabalho.
Como é o fluxo de informações entre os centros regionais e o nacional?
É tudo online. Temos nossos canais para os fluxos dos relatórios de inteligência, que são enviados diariamente.
O governo federal anunciou um investimento de R$ 2 milhões para estruturar e instalar o CIISPR-Sul. O que foi adquirido com esses recursos?
O investimento contempla software, computadores e outros equipamentos que utilizamos na área de inteligência e que passam a ficar à disposição do estado do Paraná. Os sistemas e software são os mesmos que utilizamos em Brasília e no nosso outro centro regional, em Fortaleza. Infelizmente não posso entrar em detalhes sobre o que cada equipamento faz.
Por que Curitiba foi escolhida como sede do CIISPR-Sul? A distância física da sede em relação ao extremo sul do Rio Grande do Sul, por exemplo, não pode ser problemática?
O estado foi escolhido por vários motivos. O primeiro deles é a tríplice fronteira, que está no Paraná. Foz do Iguaçu é por onde entra boa parte do contrabando do país, principalmente cigarro. Isso, por si só, já seria motivo suficiente. Outro: o estado é a porta de entrada da região Sul para o restante do país. É ainda o estado que faz divisa com São Paulo, onde está instalada a maior organização criminosa do país. Basicamente por esses fatores.
Em linhas gerais, é possível dizer que tipos de investigações estão em andamento no local?
Posso dizer que o escritório não está em Curitiba para substituir o estado do Paraná. Nosso objetivo é trocar informações que interessem à área de inteligência nacional. Os policiais de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul que estão no Centro não têm competência para substituir o policial do Paraná na condução de suas investigações. Nosso objetivo é integrar as bases de inteligência que são de interesse dos três estados.
O CIISPR-Nordeste, com sede em Fortaleza, foi o primeiro a entrar em operação. É possível falar sobre resultados do trabalho do Centro?
O nosso centro regional começou a funcionar em Fortaleza no fim do ano passado. Teve uma participação extremamente relevante durante a crise de segurança que aconteceu no início do ano no Ceará, quando houve ataques e aquela situação toda. O escritório praticamente funcionou 24 horas por dia durante todo o período de crise. Houve uma troca de informações com todos os estados da região Nordeste e também com a nossa unidade em Brasília. O resultado foi que conseguimos identificar o local exato onde os explosivos estavam armazenados. Essa informação, obtida pelo canal de inteligência, foi repassada para a secretaria de segurança pública do Ceará, que, por sua vez, pediu um mandado de busca e apreensão ao juiz competente. Isso resultou na apreensão de 700 e poucos quilos de material explosivo. A partir daí, os ataques praticamente cessaram. Foi um trabalho feito pelas áreas de inteligência de todos os estados.
Como esse tipo de informação é interceptada pela área de inteligência?
Isso é segredo de estado, não posso revelar. O que quero deixar bem claro é que o mais importante de tudo é a integração entre a União e os estados, que possibilita essa troca de informações de dados de inteligência. Nosso objetivo com os centros regionais é promover a integração. É inerente à atividade de inteligência que se estabeleça uma relação de confiança entre as pessoas das diferentes agências.
O estado foi escolhido por vários motivos. O primeiro deles é a tríplice fronteira, que está no Paraná. Foz do Iguaçu é por onde entra boa parte do contrabando do país, principalmente cigarro. Isso, por si só, já seria motivo suficiente. Outro: o estado é a porta de entrada da região Sul para o restante do país. É ainda o estado que faz divisa com São Paulo, onde está instalada a maior organização criminosa do país
Marcos Aurélio Pereira de Moura, diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Já foram decididas quais serão as sedes dos demais CIISPRs e quando eles começarão a funcionar?
Pretendemos inaugurar até o final do ano o Centro da região Norte. A nossa meta é fechar o ano de 2019 com três centros regionais funcionando – Fortaleza, Curitiba e o da região Norte. Em 2020 nossa meta é inaugurar ao menos um centro da região Sudeste e o da região Centro-Oeste, de forma a termos no mínimo um centro em cada região do país.
Pode haver mais de um na região Sudeste?
Provavelmente, mas nossa ideia é inaugurar um lá por enquanto. A região Sudeste é a que concentra a maior população do país, que apresenta os maiores índices de criminalidade, então naturalmente pode demandar mais de um Centro. Mas isso ainda está bem incipiente, estamos na fase de estudos para ver em qual estado vamos instalar o centro inicial.
A gestão anterior do governo federal anunciou que o CIISPR da região Norte seria em Belém.
Ainda não está confirmado. Quando entendemos qual unidade estratégica e tecnicamente é a melhor para abrigar o centro, temos que combinar isso com os outros estados também. Naturalmente todo governador e todo secretário de segurança pública quer que funcione no seu estado. Isso, lógico, não é possível, então temos que fazer esse trabalho de convencimento prévio. Então não está definido ainda em que estado vai funcionar o centro da região Norte.
E como é a questão de acesso ao local?
Nós não permitimos infelizmente a entrada da imprensa como forma de preservar os policiais que estão trabalhando. Mas dentro não tem nada de extraordinário. É uma sala, com várias estações de trabalho, com computadores e servidores, profissionais da área de segurança pública. Mas não tem nada de extraordinário. Não temos nenhum satélite que a gente controla que monitora a vida de todas as pessoas.
A ideia de instalar centros integrados de inteligência teve inspiração em algum modelo internacional?
Teve a questão do 11 de setembro, nos Estados Unidos, um marco histórico mundial, em que o governo comprovou que as agências americanas não se comunicavam entre si. Depois daquilo, houve uma tendência mundial de todos os órgãos trabalharem de forma integrada, seja na parte operacional, seja na parte de inteligência. O Brasil, como um país continental, precisa que os órgãos de segurança trabalhem de forma integrada.
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