Um jornalista do linotipo ao Twitter. Além de acompanhar de perto o desenvolvimento da profissão conforme ferramentas mais modernas surgiam, Cícero Cattani passou por praticamente todos os estágios na linha produtiva que gera uma notícia. Foi repórter de rua, editor, esteve in loco em acontecimentos marcantes da história do Brasil, escreveu manchetes que são estudadas nas faculdades de jornalismo até hoje, foi dono de jornal e deu opiniões contundentes em seu blog. Pioneiro, adiantava tendências da comunicação e estava sempre atento às tecnologias.
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Estreou entre os grandes ao fazer parte, ainda menor de idade, da redação do Última Hora, de Samuel Wainer. Ali viveu uma de suas mais memoráveis histórias de repórter. Enviado por Wainer para cobrir uma escala do avião do então presidente João Goulart em Curitiba, tinha uma missão extra: avisá-lo de que o clima político estava hostil e que ele deveria ficar atento. Pouco tempo depois, aconteceria sua deposição do poder. Com a chegada da ditadura militar, seu nome figurou na lista dos que estavam proibidos de exercer o jornalismo. Cattani driblava o veto publicando sob pseudônimos.
Entre os outros veículos pelos quais passou estão o Agora, O Estado do Paraná, Diário do Paraná, CNT e Correio de Notícias, outro celeiro de grandes nomes, como Paulo Leminski e Luiz Geraldo Mazza. Teve a oportunidade de comprar o jornal e mergulhou em uma nova esfera do jornalismo impresso, que incluía abrir sucursais no interior, verificar a logística de impressão e distribuição e conferir a flutuação do preço da tinta com base no dólar. É lembrado até hoje pelos colegas mais novos como um professor na redação, mesmo tendo iniciado o ofício em uma época anterior às faculdades de jornalismo.
Cattani abriu espaço para as mulheres na cobertura esportiva
Revisava com paciência, melhorava textos e dava oportunidades pouco comuns naquele tempo. “Abriu espaço para mulheres cobrirem esporte e a editoria policial, que naquela época não tinha”, conta a filha, também jornalista, Carolina Cattani. Unia um “feeling” muito próprio aos anos de experiência para contar histórias e ir atrás de furos. Como na vez em que encontrou em Paranaguá um homem que fazia paralelo ao personagem de Dias Gomes na peça “O pagador de promessas”, ou quando retomou a notícia e ouviu novamente as pessoas envolvidas no caso das bruxas de Guaratuba – hoje objeto de podcast e série de amplitude nacional – quando todos já haviam dado como solucionado.
É sempre lembrado pelo talento em formular manchetes. Duas das mais famosas, ambas pelo Correio de Notícias, aparecem com frequência nas lousas das faculdades de comunicação: “Curitiba branca de neve”, quando nevou na capital, e “O futuro de Requião a Sepúlveda Pertence”, na época em que se cogitava o impeachment do então governador do estado Roberto Requião. “Ele conseguia fazer esses jogos de palavras simples, mas que tinham grande impacto”, comenta Carolina.
Era da escola do jornalismo prático, focado na apuração e no cultivo de fontes quentes e confiáveis. Levou esse modo de trabalhar até os tempos mais recentes, quando mantinha um blog e um perfil no Twitter que misturavam notícias e opinião e que lhe renderam alguns processos por seus textos polêmicos. Mais do que o jornalismo, sua paixão principal era a política. Até um dos netos, ainda bebê, que foi seu companheiro de pandemia, se via hipnotizado pela vinheta do canal de notícias de tanto que o avô assistia.
Participação em campanhas políticas e criação de tablóide
A filha Carolina lembra da participação constante de Cattani em campanhas eleitorais, fosse com grandes estruturas ou aquelas que quase não tinham recursos. Independente do tamanho, se orgulhava muito de ter feito parte de campanhas vitoriosas. Mesmo quando não estava de fato atuando em uma campanha, recebia em casa políticos que ouviam atentos seus conselhos – do posicionamento e discurso até a roupa a usar em um debate – e sua habilidade de antecipar cenários. Além de todos esses trabalhos, assessorou órgãos públicos e criou o tabloide Hora H.
Guardião das tradições gaúchas, sua terra e de seus pais, tomava chimarrão, usava poncho e incutiu na família um típico vocabulário do Rio Grande do Sul. Fã de longos passeios de carro com a esposa Carmen, companheira inseparável há mais de 50 anos, sempre que podia visitava o estado. Ela ia dirigindo, ele de copiloto, observando as paisagens e contando histórias.
Cícero faleceu no dia 10 de outubro, aos 81 anos, por complicações de doenças crônicas. Ele deixa esposa, três filhos, cinco netos e uma bisneta. Foi jornalista até o fim. O dia seguinte à sua morte era a data final de validade marcada em sua carteira profissional.
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