Em 2014, condições meteorológicas semelhantes ao desastre gaúcho atingiram o Paraná| Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo
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Nas últimas décadas, os moradores de União da Vitória, no sul do Paraná, convivem com as frequentes cheias do rio Iguaçu. Foram quatro tragédias climáticas em decorrência das enchentes na cidade: 2023, 2014, 1992 e 1983, quando 80% da cidade ficou submersa há 41 anos.

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Mais do que aumentar a resiliência das pessoas, que seguem reerguendo o que a força das águas destrói, o histórico de desastres deixou um aprendizado para a cidade e também serve de alerta para a necessidade de um plano estadual.

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Após a catástrofe no Rio Grande do Sul, os questionamentos são inevitáveis: os municípios do Paraná estão preparados para suportar ou minimizar as tragédias climáticas? A capital paranaense, Curitiba, foi projetada para evitar grandes inundações como as cheias que devastaram Porto Alegre?

Em União da Vitória, a criação de novas áreas residenciais em pontos mais altos e afastados do leito do rio foi uma das medidas tomadas para diminuir os danos em decorrência das chuvas. “Em um cenário ideal, o indicado seria mudar toda a cidade de lugar, indo o mais longe possível do rio. Mas isso é inviável dos pontos de vista financeiro e social. Então a ideia é fazer essa movimentação não de uma forma radical, mas aos poucos”, comentou o prefeito Bachir Abbas (PP), em entrevista à Gazeta do Povo.

Na enchente de 1983, 80% da cidade de União da Vitória ficou submersa.| Foto: Arquivo / Prefeitura Municipal de União da Vitória

Os impactos da última cheia, ocorrida em outubro de 2023, ainda estão presentes e fazem parte do cenário da cidade. Segundo dados da prefeitura de União da Vitória, 60 famílias que perderam suas casas ainda estão morando em lares temporários, financiados pelo aluguel social. A construção de 130 casas, longe das áreas de risco, foi contratada com financiamento do Minha Casa Minha Vida e deve ser concluída ainda em 2024.

Além do planajemento urbano, o trabalho de convencimento para a realocação das famílias desafia o poder público, apesar do histórico de inundações no município paranaense.

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“Nós vamos a esses locais e as pessoas já dizem ‘daqui nós não vamos sair’. São enchentes recorrentes, que estão ocorrendo a cada 5, 10 anos. Mas não dá para ir na base da força. É aí que a gente cede. A gente entende que há uma questão cultural, um apego. Mas essas pessoas vão ter que entender”, apela.

Outra mudança, esta de curto prazo, é a criação de um plano de contingência para as futuras cheias do rio Iguaçu. Para Bachir, a medida foi pensada ainda no ano passado – antes, portanto, da tragédia das cheias no Rio Grande do Sul – para organizar o fluxo de ações do poder público para quando as águas invadirem a cidade, novamente.

Para o prefeito, seria “pretensão” imaginar um cenário no qual alguma medida governamental, seja federal, estadual ou municipal, impeça novas tragédias climáticas no Paraná. Por isso, explicou à reportagem, o mais prático foi formatar um plano para otimizar o atendimento às vítimas logo no início das inundações.

“Nós temos condição de emitir um alerta de enchente com até 48 horas de antecedência. Quando isso acontecer, todos já saberão onde será instalado um ponto de encontro seguro. Nós definimos onde serão instalados os abrigos e as cozinhas comunitárias para a produção das refeições. Quando não se sabe o que fazer, é muita correria e pouca efetividade, é um bate-cabeça”, afirma o prefeito Abbas .

Nos abrigos, o isolamento parcial dos espaços, com lonas sendo utilizadas como paredes, possibilitou o mínimo de privacidade a quem se encontrava em um momento de fragilidade na última enchente em 2023.

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“Durante a pandemia as pessoas se viram obrigadas a conviverem 24 horas por dia dentro de um mesmo ambiente. Mesmo que fosse na própria casa, houve problemas. Agora imagina quando essa convivência é forçada em um ginásio, com pessoas estranhas, durante uma enchente. Parece pouco, mas esse mínimo de privacidade ajudou muito”, explica.

Cada família desabrigada teve um espaço separado delimitado por lonas na última cheia em União da Vitória, em 2023.| Foto: Divulgação / Prefeitura de União da Vitória

Conceito de cidade-esponja usado em Curitiba pode ser aplicado em Porto Alegre

“O Parque Barigui não foi feito para correr, foi feito para inundar”. Com essa frase, o engenheiro Pedro Luiz Fuentes Dias, especialista em manejo de bacias hidrográficas, resume algumas das medidas tomadas na capital paranaense para mitigar, em partes, os efeitos das cheias.

À Gazeta do Povo, ele comentou que o conceito de cidade-esponja, aplicado em Curitiba na forma de áreas permeáveis sujeitas a alagamentos como os parques, também pode ser uma das estratégias a serem adotadas em Porto Alegre na reconstrução da cidade.

Para Dias, um estudo aprofundado sobre a enchente deve mensurar qual o volume de água que pode ser contido pelo atual sistema de muros e diques do Guaíba e qual é o volume que a cidade precisa absorver em caso de extravasamento.

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"Porto Alegre vai precisar de um sistema misto, não pode ser só um sistema de 70 quilômetros de diques e muros"

Engenheiro Pedro Luiz Fuentes Dias

O potencial risco de colapso da estrutura do Aeroporto Salgado Filho, explicou o engenheiro, pode ser o ponto de partida para uma solução “fora da caixa”. “Quanto custa o Salgado Filho? Eu olhei aquele aeroporto e vi uma versão gaúcha do Parque Barigui. Olha o potencial de retenção de água que há ali, por que não? É uma área enorme para contenção de cheias. E se não foi ali, tem que ser em outros lugares, escolhendo a realocação de estruturas menos importantes para criar essas ‘esponjas’ de retenção”, avalia.

Apesar da área alagável no percurso do rio Iguaçu, Paraná e Rio Grande do Sul têm diferenças topográficas que, segundo o especialista, tornam o território gaúcho mais suscetível às tragédias climáticas “Por aqui, toda essa água vai em direção ao rio Paraná. Por lá, toda a água vai desembocar no Guaíba, em Porto Alegre”, compara.

Movimento Pró-Paraná cobra plano integrado de bacias hidrográficas

Integrante do Movimento Pró-Paraná, o engenheiro Pedro Luiz Fuentes Dias lembra que no início do ano, antes das cheias no Rio Grande do Sul, o governo do Paraná foi provocado a criar um plano integrado de gestão das bacias hidrográficas que pode minimizar impactos de tragédias climáticas. O planejamento também deve contar com a participação da sociedade civil.

De acordo com o engenheiro, o projeto está na fase de captação de recursos. “Isso foi proposto há aproximadamente três meses. Nós adivinhamos que ia acontecer? Não. Mas a gestão dessas bacias é algo que precisa estar no nosso radar, todos os dias, seja para períodos de cheia ou de seca. As mudanças climáticas estão tornando esses eventos extremos mais comuns. O que antes levava 20, 40 anos para se repetir agora acontece a cada seis meses”, alerta.

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Procurado pela Gazeta do Povo, o Instituto Água e Terra (IAT) enviou uma nota na qual detalha uma série de investimentos realizados pelo governo para dar respostas rápidas em casos de desastres ambientais ou climáticos.

Na área da Defesa Civil, foram investidos R$ 52 milhões no final de 2023 para a compra de veículos. Além disso, segundo o instituto, foi criado um Fundo Estadual para Calamidades Públicas (Fecap) para dar mais celeridade aos repasses financeiros do tesouro estadual aos municípios em situações críticas – R$ 34 milhões foram repassados ainda no ano passado para 83 municípios sob situação de emergência, entre eles, União da Vitória.

"Outros R$ 4 milhões estão sendo investidos em um anteprojeto dedicado a encontrar as formas mais eficientes de minimizar os efeitos das cheias do rio Iguaçu", acrescenta a nota.

Pesquisador do Paraná alerta para repetição de tragédias climáticas no Sul do país

A tragédia no Rio Grande do Sul também aponta para a necessidade de uma discussão mais abrangente sobre a questão hídrica, de acordo com a avaliação de Eduardo Gobbi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar).

“Ou você está com água demais ou com água de menos. Como é que isso afeta a geração de energia? Como isso afeta a irrigação? Como isso afeta o abastecimento público de água? E como isso afeta a população das cidades? Isso precisa ser discutido de uma forma mais ampla, ainda mais agora”, ressalta.

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O professor lembrou dos recentes casos de estiagem e de enchentes, como a que atingiu o Paraná em 2014 – segundo ele, com características semelhantes às cheias do Rio Grande do Sul. Registros históricos contabilizaram um volume de mais de 500 milímetros de chuva em quatro dias sobre a bacia do rio Iguaçu. Cerca de 150 cidades do estado decretaram situação de emergência. Mais de uma dezena de pessoas morreram e meio milhão de paranaenses foram afetados pelas enchentes.

“Foi uma frente que avançou e encontrou um bloqueio, do mesmo jeito que no Rio Grande do Sul só que em intensidade um pouco menor. É a umidade que se forma lá na Amazônia, desce pelos Andes e quando tenta subir não consegue. Isso já aconteceu uma vez e se repetiu agora, quase 10 anos depois. Passou da hora de a gente entender que isso vai se tornar cada vez mais comum, e aprender como lidar com essas situações”, analisa o pesquisador.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]